sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Manifesto de um Opositor do Presidente contra o Impeachment de Jair Bolsonaro

 

Um texto que possivelmente desagradará partidários de quase todos os lados da questão;

Um pouco amargo, cansado, mas muito esperançoso de ver um Brasil melhor;

 

 

Introdução

 

Se minha vida social, gravemente limitada por circunstâncias alheias à minha vontade, não pode dar testemunho de minha oposição a Bolsonaro, meus textos em meu blog e meu histórico no Twitter podem comprová-la fartamente;

Bolsonaro NUNCA deveria ter sido eleito presidente. Causa-me tristeza imaginar que seu nome está PARA SEMPRE gravado na lista daqueles que escolhemos para liderar-nos. Porém, não podemos mais ser o gigante abobalhado, a colônia manipulada e compartilhada, um país de quinta categoria, uma República de Bananas, que resolve seus problemas lançando mão de jeitinho, atalhos, gambiarras, golpes de Estado ou grandes acordos nacionais; Que mais essa, dentre as infalivelmente sucessivas graves crises, sirva, pelo menos, de lição: precisamos assumir a responsabilidade pelas escolhas que fizemos para podermos evoluir e escapar deste ciclo de tragédias e vergonha que nos mantém no cabresto há mais de 500 anos;

 

O Imbróglio

 

Bolsonaro não enganou ninguém, não mentiu sobre suas opiniões e intenções; Não tentou justificar sua biografia ou sua carreira; Não disfarçou sua truculência e falta de empatia, ao contrário, desfilou-as e ostentou-as durante todos os seus 30 anos na política, sustentando-as em falas públicas diante das câmeras mesmo durante a campanha à presidência; Se nada disso bastou para que ele fosse impedido legalmente de concorrer, para que ele fosse repetida & veementemente repudiado de forma aberta pela unanimidade das lideranças do país ( muitas ofereceram-lhe apoio! ), e, finalmente, para evitar que ele fosse eleito pela maioria dos votantes, então simplesmente não é justo que ele perca seu cargo, por mera conveniência, baseado nesses mesmos atributos;

Os donos do Brasil acham que podem mandar e desmandar, botar e tirar presidentes eleitos, compor sonetos e ensinar a emendá-los. Pois eles, junto com seu exército de servos e simpatizantes - com destaque para a quase unanimidade de nossa arrogante grande imprensa, esta que passou anos criando e venerando seus próprios ídolos de barro ( como Sergio Moro ) e batendo no petismo ( quando havia excelentes motivos e quando não havia motivo algum ) - mesmo durante a campanha de 2018, tentando manter uma fachada de imparcialidade que convence muito poucos, ou insistia em dar espaço para Jair Bolsonaro semear suas ideias e versões, normalizando-as sem contestá-las, ou espancava continuamente a alternativa; Estes grupos retomam agora seu hábito histórico de escolher atalhos, e um dia – tomara que seja hoje – terão de se responsabilizar por suas escolhas nada impulsivas, mas tão soberbamente refletidas;

Aquelas figuras influentes que trabalharam pela eleição de Bolsonaro ( não os que simplesmente votaram nele ou declararam publicamente seu voto, refiro-me aos que fizeram campanha agressiva e esfuziante – e sejam poupados os muito jovens ou os ignorantes ) não podem simplesmente trocar de lado enquanto mantém intacta sua empáfia e continuam reivindicando uma aura de infalibilidade; Que suas consciências apontem sua falha ou hipocrisia, e que, mínimo dentre os mínimos, passem a demonstrar menos arrogância;

O povo, vítima que, ignorante ou iludido, tantas vezes fabrica as ferramentas de trabalho de seu próprio verdugo, também precisa aprender & aprender a ensinar que o voto tem consequências: precisamos parar de procurar bezerros de ouro e salvadores da pátria que prometam assumir todas as nossas responsabilidades e resolver todos os nossos problemas e, quando estes falham ( infalivelmente ), sirvam-nos de bodes expiatórios e Judas a serem malhados, oferecidos que são, em holocausto, para que possamos dizer uns aos outros que a culpa foi deles, que ELES nos enganaram;

O impichamento ( sim, há uma versão em português da palavra ) é um instrumento utilíssimo, mas por sua gravidade, tem exigências e consequências. No Brasil, é muito fácil encontrar leis que justifiquem a criminalização de alguma autoridade inconveniente; O deputado Barreto Pinto foi o primeiro no país a ser cassado por quebra de decoro em 1949 por se ter deixado fotografar de fraque e cueca samba-canção. Não lhe foi dado nem o benefício da dúvida – alegou que o fotógrafo teria prometido publicar apenas a parte superior da imagem; A presidente reeleita Dilma Rousseff caiu – recordem-se e gargalhem comigo – por pedaladas fiscais! Afastada por uma Câmara presidida por Eduardo Cunha! E pela mesma legislatura que pouparia Temer duas vezes! Neste mesmo Congresso que não agiu contra Aécio, Flordelis ou Chico Rodrigues! PEDALADAS FISCAIS!

O impeachment é um rompimento brutal, um trauma, uma cicatriz na democracia, e isso mesmo quando unânime e incontestavelmente justificado. No Brasil, virou atalho; Nas circunstâncias atuais, não cabe sua utilização e não valeria seu custo, seja nas consequências práticas, seja em mais um arranhão em nossa imagem perante o mundo. O terceiro impeachment em menos de 30 anos! Travaremos mais uma vez essa batalha fratricida morro acima, com todos os seus desdobramentos, para colocar na presidência o General Mourão?

Pois eu ainda não vejo justificativa suficiente para superar meu asco e juntar-me à turma de traidores, hipócritas e interesseiros que estão a arrebanhar os incautos, os impulsivos e os vingativos para promover suas causas pessoais; Acreditem, o dia em que me vir convencido da legitimidade da demanda, será com prazer e um largo sorriso no rosto que irei pedir e pedir a destituição d’aquele-que-é-mas-nunca-deveria-ter-sido!

 

O Dilema

 

Angustiado, no passado eu já tentei convencer a mim mesmo que o General Mourão seria uma figura mais sensata, e que os militares no governo moderariam as ações destrambelhadas de Bolsonaro. Sim, “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, mas chega de ilusões! Limitar-se a frases sensatas ocasionais e civilidade no trato com a imprensa não bastam quando se é vice-presidente da República;

Admita-se, é uma figura bem mais preparada, cordial, polida e até simpática que o atual titular, e bem menos triste de assistir do que Bolsonaro, mas também defende o regime de 1964, e continua condescendendo e justificando os absurdos feitos e ditos por este governo.

Devo apoiar o impeachment que agora pedem aqueles que em 2018 engoliram e empurraram Bolsonaro, ainda que meio a contragosto, quando este mostrou-se o único que poderia derrotar a alternativa? Que normalizaram-no e condescenderam com seus absurdos, desde que defendesse a política neoliberal entreguista?

Ou seja, teríamos a continuidade desta gestão: a mesma turma, o mesmo ideário; Talvez até o Paulo Guedes fosse poupado! Gente que, em nome dessa agenda, trabalhou para que um Bolsonaro chegasse à cadeira presidencial, e que agora quer distanciar-se das falhas dele e destituí-lo para proteger essa mesma agenda? Com o impeachment, os responsáveis pela calamidade atual ficariam todos impunes! Mais um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”! 

Apoiar o impeachment de Bolsonaro neste momento só porque é conveniente e seria possível interpretar ações suas como crime de responsabilidade é como ter apoiado o impeachment de Dilma! É golpismo!

 

A Consolação

 

Não é impossível que eu mude de opinião já nos próximos dias: os fatos por trás do colapso da saúde em Manaus, por exemplo, podem vir a indicar que a incompetência e negligência de alguns agentes públicos da esfera municipal, estadual e / ou federal possam ter alcançado o patamar de crime; Há também as investigações sobre possíveis ilegalidades de Bolsonaro e seus filhos, investigações que pareceram não avançar nestes dois anos, mas que agora talvez voltem a andar; Por enquanto, porém, insisto que não vejo legitimidade num impeachment do presidente;

O que não significa que não temos alternativas para impedirmos o destrambelhamento desta gestão de correr livre pelos verdes campos do Brasil!

Bolsonaro é nosso presidente eleito, não nosso dono; Uma das vantagens da divisão em 3 poderes é a possibilidade dos outros dois agirem para evitar que um deles jogue a nação no precipício.

Pois que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso ajam para contornar as ações mais danosas deste governo; Eles não souberam interagir para engessar, sabotar e derrubar Dilma, que foi reeleita, mas não conseguiu governar em seu segundo mandato? Pois que retomem aquela postura agora contra os piores erros deste governo.

Os apoiadores de Bolsonaro já não reclamam de constantes ações que, na interpretação deles, são interferências no Poder Executivo? O Presidente da Câmara não se encontrou com o Embaixador da China nos últimos dias, quando o normal seria o Ministro das Relações Exteriores, ou mesmo o da Saúde, fazer esta interlocução? O Supremo Tribunal Federal já não repetidas vezes reverteu medidas do presidente que julgou estarem em desacordo com as leis?

Pois que, SEMPRE GUIADOS PELO ESPÍRITO DO BEM PÚBLICO E DA LEGALIDADE, E LIMITADOS POR SUA BOA FÉ, sigam fiscalizando uns aos outros, como forma de justificar seus injustificáveis privilégios; E que a sociedade fiscalize atentamente os três;

Dentro dos limites da civilidade, da Constituição e da pandemia, que o povo se manifeste, proteste e pressione! Eu não vejo base para um impeachment, mas não ficaria triste com uma renúncia, desde que ela fosse espontânea, e não ocasionada por ameaças;

 

Um Obstáculo Relevante

 

Sempre houve pessoas hábeis em suas falas que convencem outros a segui-los. Mesmo charlatães buscando lucro fácil e líderes ditatoriais conquistam a fidelidade de uma parcela das pessoas. Já testemunhamos até mesmo seitas que convenceram seus seguidores a cometer suicídio grupal acreditando que isso seria a coisa certa a fazer.

A internet e as redes sociais, com a superexposição de uma projeção idealizada do “eu”, feliz e perfeita, em concerto com a evolução dos videojogos, criaram tribos com verdadeiros mundos e mitologias próprias, possuidoras de regras, símbolos, lendas e códigos que mesmo parentes a amigos de seus habitantes não conhecem ou compreenderiam, isso numa escala que, até poucos anos, as limitações tecnológicas não permitiam; Estas pessoas caminham pelo nosso mundo real cientes de como ele funciona, mas crendo serem especiais, possuidores de um conhecimento oculto para a maioria, que lhes permite interpretar e enxergar uma suposta ultrarealidade. Chame de fanatismo, Teoria da Conspiração, Matrix, ou como queira: assim como os participantes de um reality show podem estar completamente iludidos quanto ao que o público está pensando deles, estas pessoas também são prisioneiras da interpretação da realidade que escolheram em algum ponto do passado; É a manifestação de uma vulnerabilidade da natureza humana;

Observadores mais astutos perceberam o agigantamento deste fenômeno, e começaram a direcioná-lo em seu benefício, seja fidelizando o público de uma franquia de filmes ou de séries de televisão ( e suas intermináveis continuações e derivações ), seja cultivando os fãs de um artista ou grupo musical, sempre com um novo penteado, um novo vídeo, uma nova declaração polêmica; Ou mesmo atuando com o intuito de arrebanhar eleitores fiéis, que só veem a verdade e a justiça em uma única matiz política, enxergando o mal em tudo que esteja fora dela.*

Pois Bolsonaro, assim como seu grande modelo, Donald Trump, faz uso dessas táticas. Tudo que ele faz, acreditam seus apoiadores, tem as mais nobres intenções, uma justificativa, uma astuta estratégia por trás; Tudo que seus opositores fazem, por sua vez, está eivado de maldade, malícia, interesses escusos, e faz parte de grandes complôs mundiais; Os inimigos invariavelmente são ardilosos, poderosos e terrivelmente ameaçadores, ao mesmo tempo em que, pelo mérito de nossos esforços, estão fatalmente condenados à derrota; É como o roteiro de tantos e tantos filmes, é um faz-de-conta para adultos; Pois a grande mídia alimentou ou tolerou este movimento, e agora ele é real e tem força: apoiadores de Trump invadiram o Capitólio no coração da democracia ocidental.

E mesmo depois de tudo o que vimos, Bolsonaro ainda hoje tem muitos apoiadores; Aqueles que agem de boa fé devem testemunhar as consequências de suas escolhas, para que tenham a oportunidade de se arrependerem: eles têm direito à redenção; Aqueles que o fazem por qualquer outro motivo menos nobre e mesmo agora insistem em pedir por mais Bolsonaro, esses merecem serem satisfeitos em sua demanda... até se fartarem!

 

A Oportunidade de Amadurecermos

 

Que a imprensa denuncie os problemas e mostre a cara desta administração e de suas políticas. Que aqueles que sabem que ladrilharam o caminho deste homem até a presidência “com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante” trabalhem com o mesmo afinco para impedi-lo de espalhar mais algum mal. Que o arrependimento dos bem-intencionados seja tão produtivo quanto foi o antigo apoio.

Quantos de nós comemoraram quando o deputado Bruno Araújo deu o voto decisivo no afastamento da presidente Dilma com aquele exultante “Sim para o futurooooo!”? Pois aquele futuro que escolhemos, ele chegou. Teremos agora que digeri-lo.

Não devemos nos comportar como crianças que fazem birra para não ter que ir à escola, ou que não querem tomar a vacina; Chega de jeitinho, atalhos e grandes acordos nacionais! Conversemos com civilidade e franqueza! Enfrentemos juntos nossos problemas, e caminhemos rumo a uma nação mais madura, inteligente, digna e justa;

 

 São meus votos e minha esperança neste mui conturbado começo do ano de 2021;

 

 

 

 

 

* Tenho a impressão de haver uma fraqueza nestes movimentos: eles parecem precisar sustentar o frenesi para se manterem viáveis: sempre tem que haver uma emergência, um novo e vil ataque dos inimigos, uma ameaça a pairar sobre nós, uma nova estratégia de ação, uma enorme reviravolta que acontecerá nos próximos dias... É preciso manter o “cliente” preso à ilusão, ou o encanto se quebra, o feitiço se desmancha; Mais ou menos como golpistas que agem por telefone, e que não deixam a vítima desligar para que ela não tenha a oportunidade de refletir, cair em si, duvidar e certificar-se do que realmente está acontecendo; Talvez este seja o caminho: uma desintoxicação temporária;