sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Manifesto de um Opositor do Presidente contra o Impeachment de Jair Bolsonaro

 

Um texto que possivelmente desagradará partidários de quase todos os lados da questão;

Um pouco amargo, cansado, mas muito esperançoso de ver um Brasil melhor;

 

 

Introdução

 

Se minha vida social, gravemente limitada por circunstâncias alheias à minha vontade, não pode dar testemunho de minha oposição a Bolsonaro, meus textos em meu blog e meu histórico no Twitter podem comprová-la fartamente;

Bolsonaro NUNCA deveria ter sido eleito presidente. Causa-me tristeza imaginar que seu nome está PARA SEMPRE gravado na lista daqueles que escolhemos para liderar-nos. Porém, não podemos mais ser o gigante abobalhado, a colônia manipulada e compartilhada, um país de quinta categoria, uma República de Bananas, que resolve seus problemas lançando mão de jeitinho, atalhos, gambiarras, golpes de Estado ou grandes acordos nacionais; Que mais essa, dentre as infalivelmente sucessivas graves crises, sirva, pelo menos, de lição: precisamos assumir a responsabilidade pelas escolhas que fizemos para podermos evoluir e escapar deste ciclo de tragédias e vergonha que nos mantém no cabresto há mais de 500 anos;

 

O Imbróglio

 

Bolsonaro não enganou ninguém, não mentiu sobre suas opiniões e intenções; Não tentou justificar sua biografia ou sua carreira; Não disfarçou sua truculência e falta de empatia, ao contrário, desfilou-as e ostentou-as durante todos os seus 30 anos na política, sustentando-as em falas públicas diante das câmeras mesmo durante a campanha à presidência; Se nada disso bastou para que ele fosse impedido legalmente de concorrer, para que ele fosse repetida & veementemente repudiado de forma aberta pela unanimidade das lideranças do país ( muitas ofereceram-lhe apoio! ), e, finalmente, para evitar que ele fosse eleito pela maioria dos votantes, então simplesmente não é justo que ele perca seu cargo, por mera conveniência, baseado nesses mesmos atributos;

Os donos do Brasil acham que podem mandar e desmandar, botar e tirar presidentes eleitos, compor sonetos e ensinar a emendá-los. Pois eles, junto com seu exército de servos e simpatizantes - com destaque para a quase unanimidade de nossa arrogante grande imprensa, esta que passou anos criando e venerando seus próprios ídolos de barro ( como Sergio Moro ) e batendo no petismo ( quando havia excelentes motivos e quando não havia motivo algum ) - mesmo durante a campanha de 2018, tentando manter uma fachada de imparcialidade que convence muito poucos, ou insistia em dar espaço para Jair Bolsonaro semear suas ideias e versões, normalizando-as sem contestá-las, ou espancava continuamente a alternativa; Estes grupos retomam agora seu hábito histórico de escolher atalhos, e um dia – tomara que seja hoje – terão de se responsabilizar por suas escolhas nada impulsivas, mas tão soberbamente refletidas;

Aquelas figuras influentes que trabalharam pela eleição de Bolsonaro ( não os que simplesmente votaram nele ou declararam publicamente seu voto, refiro-me aos que fizeram campanha agressiva e esfuziante – e sejam poupados os muito jovens ou os ignorantes ) não podem simplesmente trocar de lado enquanto mantém intacta sua empáfia e continuam reivindicando uma aura de infalibilidade; Que suas consciências apontem sua falha ou hipocrisia, e que, mínimo dentre os mínimos, passem a demonstrar menos arrogância;

O povo, vítima que, ignorante ou iludido, tantas vezes fabrica as ferramentas de trabalho de seu próprio verdugo, também precisa aprender & aprender a ensinar que o voto tem consequências: precisamos parar de procurar bezerros de ouro e salvadores da pátria que prometam assumir todas as nossas responsabilidades e resolver todos os nossos problemas e, quando estes falham ( infalivelmente ), sirvam-nos de bodes expiatórios e Judas a serem malhados, oferecidos que são, em holocausto, para que possamos dizer uns aos outros que a culpa foi deles, que ELES nos enganaram;

O impichamento ( sim, há uma versão em português da palavra ) é um instrumento utilíssimo, mas por sua gravidade, tem exigências e consequências. No Brasil, é muito fácil encontrar leis que justifiquem a criminalização de alguma autoridade inconveniente; O deputado Barreto Pinto foi o primeiro no país a ser cassado por quebra de decoro em 1949 por se ter deixado fotografar de fraque e cueca samba-canção. Não lhe foi dado nem o benefício da dúvida – alegou que o fotógrafo teria prometido publicar apenas a parte superior da imagem; A presidente reeleita Dilma Rousseff caiu – recordem-se e gargalhem comigo – por pedaladas fiscais! Afastada por uma Câmara presidida por Eduardo Cunha! E pela mesma legislatura que pouparia Temer duas vezes! Neste mesmo Congresso que não agiu contra Aécio, Flordelis ou Chico Rodrigues! PEDALADAS FISCAIS!

O impeachment é um rompimento brutal, um trauma, uma cicatriz na democracia, e isso mesmo quando unânime e incontestavelmente justificado. No Brasil, virou atalho; Nas circunstâncias atuais, não cabe sua utilização e não valeria seu custo, seja nas consequências práticas, seja em mais um arranhão em nossa imagem perante o mundo. O terceiro impeachment em menos de 30 anos! Travaremos mais uma vez essa batalha fratricida morro acima, com todos os seus desdobramentos, para colocar na presidência o General Mourão?

Pois eu ainda não vejo justificativa suficiente para superar meu asco e juntar-me à turma de traidores, hipócritas e interesseiros que estão a arrebanhar os incautos, os impulsivos e os vingativos para promover suas causas pessoais; Acreditem, o dia em que me vir convencido da legitimidade da demanda, será com prazer e um largo sorriso no rosto que irei pedir e pedir a destituição d’aquele-que-é-mas-nunca-deveria-ter-sido!

 

O Dilema

 

Angustiado, no passado eu já tentei convencer a mim mesmo que o General Mourão seria uma figura mais sensata, e que os militares no governo moderariam as ações destrambelhadas de Bolsonaro. Sim, “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, mas chega de ilusões! Limitar-se a frases sensatas ocasionais e civilidade no trato com a imprensa não bastam quando se é vice-presidente da República;

Admita-se, é uma figura bem mais preparada, cordial, polida e até simpática que o atual titular, e bem menos triste de assistir do que Bolsonaro, mas também defende o regime de 1964, e continua condescendendo e justificando os absurdos feitos e ditos por este governo.

Devo apoiar o impeachment que agora pedem aqueles que em 2018 engoliram e empurraram Bolsonaro, ainda que meio a contragosto, quando este mostrou-se o único que poderia derrotar a alternativa? Que normalizaram-no e condescenderam com seus absurdos, desde que defendesse a política neoliberal entreguista?

Ou seja, teríamos a continuidade desta gestão: a mesma turma, o mesmo ideário; Talvez até o Paulo Guedes fosse poupado! Gente que, em nome dessa agenda, trabalhou para que um Bolsonaro chegasse à cadeira presidencial, e que agora quer distanciar-se das falhas dele e destituí-lo para proteger essa mesma agenda? Com o impeachment, os responsáveis pela calamidade atual ficariam todos impunes! Mais um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”! 

Apoiar o impeachment de Bolsonaro neste momento só porque é conveniente e seria possível interpretar ações suas como crime de responsabilidade é como ter apoiado o impeachment de Dilma! É golpismo!

 

A Consolação

 

Não é impossível que eu mude de opinião já nos próximos dias: os fatos por trás do colapso da saúde em Manaus, por exemplo, podem vir a indicar que a incompetência e negligência de alguns agentes públicos da esfera municipal, estadual e / ou federal possam ter alcançado o patamar de crime; Há também as investigações sobre possíveis ilegalidades de Bolsonaro e seus filhos, investigações que pareceram não avançar nestes dois anos, mas que agora talvez voltem a andar; Por enquanto, porém, insisto que não vejo legitimidade num impeachment do presidente;

O que não significa que não temos alternativas para impedirmos o destrambelhamento desta gestão de correr livre pelos verdes campos do Brasil!

Bolsonaro é nosso presidente eleito, não nosso dono; Uma das vantagens da divisão em 3 poderes é a possibilidade dos outros dois agirem para evitar que um deles jogue a nação no precipício.

Pois que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso ajam para contornar as ações mais danosas deste governo; Eles não souberam interagir para engessar, sabotar e derrubar Dilma, que foi reeleita, mas não conseguiu governar em seu segundo mandato? Pois que retomem aquela postura agora contra os piores erros deste governo.

Os apoiadores de Bolsonaro já não reclamam de constantes ações que, na interpretação deles, são interferências no Poder Executivo? O Presidente da Câmara não se encontrou com o Embaixador da China nos últimos dias, quando o normal seria o Ministro das Relações Exteriores, ou mesmo o da Saúde, fazer esta interlocução? O Supremo Tribunal Federal já não repetidas vezes reverteu medidas do presidente que julgou estarem em desacordo com as leis?

Pois que, SEMPRE GUIADOS PELO ESPÍRITO DO BEM PÚBLICO E DA LEGALIDADE, E LIMITADOS POR SUA BOA FÉ, sigam fiscalizando uns aos outros, como forma de justificar seus injustificáveis privilégios; E que a sociedade fiscalize atentamente os três;

Dentro dos limites da civilidade, da Constituição e da pandemia, que o povo se manifeste, proteste e pressione! Eu não vejo base para um impeachment, mas não ficaria triste com uma renúncia, desde que ela fosse espontânea, e não ocasionada por ameaças;

 

Um Obstáculo Relevante

 

Sempre houve pessoas hábeis em suas falas que convencem outros a segui-los. Mesmo charlatães buscando lucro fácil e líderes ditatoriais conquistam a fidelidade de uma parcela das pessoas. Já testemunhamos até mesmo seitas que convenceram seus seguidores a cometer suicídio grupal acreditando que isso seria a coisa certa a fazer.

A internet e as redes sociais, com a superexposição de uma projeção idealizada do “eu”, feliz e perfeita, em concerto com a evolução dos videojogos, criaram tribos com verdadeiros mundos e mitologias próprias, possuidoras de regras, símbolos, lendas e códigos que mesmo parentes a amigos de seus habitantes não conhecem ou compreenderiam, isso numa escala que, até poucos anos, as limitações tecnológicas não permitiam; Estas pessoas caminham pelo nosso mundo real cientes de como ele funciona, mas crendo serem especiais, possuidores de um conhecimento oculto para a maioria, que lhes permite interpretar e enxergar uma suposta ultrarealidade. Chame de fanatismo, Teoria da Conspiração, Matrix, ou como queira: assim como os participantes de um reality show podem estar completamente iludidos quanto ao que o público está pensando deles, estas pessoas também são prisioneiras da interpretação da realidade que escolheram em algum ponto do passado; É a manifestação de uma vulnerabilidade da natureza humana;

Observadores mais astutos perceberam o agigantamento deste fenômeno, e começaram a direcioná-lo em seu benefício, seja fidelizando o público de uma franquia de filmes ou de séries de televisão ( e suas intermináveis continuações e derivações ), seja cultivando os fãs de um artista ou grupo musical, sempre com um novo penteado, um novo vídeo, uma nova declaração polêmica; Ou mesmo atuando com o intuito de arrebanhar eleitores fiéis, que só veem a verdade e a justiça em uma única matiz política, enxergando o mal em tudo que esteja fora dela.*

Pois Bolsonaro, assim como seu grande modelo, Donald Trump, faz uso dessas táticas. Tudo que ele faz, acreditam seus apoiadores, tem as mais nobres intenções, uma justificativa, uma astuta estratégia por trás; Tudo que seus opositores fazem, por sua vez, está eivado de maldade, malícia, interesses escusos, e faz parte de grandes complôs mundiais; Os inimigos invariavelmente são ardilosos, poderosos e terrivelmente ameaçadores, ao mesmo tempo em que, pelo mérito de nossos esforços, estão fatalmente condenados à derrota; É como o roteiro de tantos e tantos filmes, é um faz-de-conta para adultos; Pois a grande mídia alimentou ou tolerou este movimento, e agora ele é real e tem força: apoiadores de Trump invadiram o Capitólio no coração da democracia ocidental.

E mesmo depois de tudo o que vimos, Bolsonaro ainda hoje tem muitos apoiadores; Aqueles que agem de boa fé devem testemunhar as consequências de suas escolhas, para que tenham a oportunidade de se arrependerem: eles têm direito à redenção; Aqueles que o fazem por qualquer outro motivo menos nobre e mesmo agora insistem em pedir por mais Bolsonaro, esses merecem serem satisfeitos em sua demanda... até se fartarem!

 

A Oportunidade de Amadurecermos

 

Que a imprensa denuncie os problemas e mostre a cara desta administração e de suas políticas. Que aqueles que sabem que ladrilharam o caminho deste homem até a presidência “com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante” trabalhem com o mesmo afinco para impedi-lo de espalhar mais algum mal. Que o arrependimento dos bem-intencionados seja tão produtivo quanto foi o antigo apoio.

Quantos de nós comemoraram quando o deputado Bruno Araújo deu o voto decisivo no afastamento da presidente Dilma com aquele exultante “Sim para o futurooooo!”? Pois aquele futuro que escolhemos, ele chegou. Teremos agora que digeri-lo.

Não devemos nos comportar como crianças que fazem birra para não ter que ir à escola, ou que não querem tomar a vacina; Chega de jeitinho, atalhos e grandes acordos nacionais! Conversemos com civilidade e franqueza! Enfrentemos juntos nossos problemas, e caminhemos rumo a uma nação mais madura, inteligente, digna e justa;

 

 São meus votos e minha esperança neste mui conturbado começo do ano de 2021;

 

 

 

 

 

* Tenho a impressão de haver uma fraqueza nestes movimentos: eles parecem precisar sustentar o frenesi para se manterem viáveis: sempre tem que haver uma emergência, um novo e vil ataque dos inimigos, uma ameaça a pairar sobre nós, uma nova estratégia de ação, uma enorme reviravolta que acontecerá nos próximos dias... É preciso manter o “cliente” preso à ilusão, ou o encanto se quebra, o feitiço se desmancha; Mais ou menos como golpistas que agem por telefone, e que não deixam a vítima desligar para que ela não tenha a oportunidade de refletir, cair em si, duvidar e certificar-se do que realmente está acontecendo; Talvez este seja o caminho: uma desintoxicação temporária;

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Message from a Middle-Aged Brazilian to Hong Kong’s Young Protesters


For some time now I have been following the protests in Hong Kong; Believe me when I tell you I am emotionally equipped to understand when people feel the need to make their voice heard by their rulers; The basic humanity we share has me praying that all ends well over there, but things seem to have taken a worrisome turn lately, and I feel you might be falling into a sad trap, one that I’ve seen my own people fall victim to over here in Brazil, and more than once in my lifetime;

During mankind’s long, long journey to this point, we have had to struggle so much for every inch of progress, cope with so many terrible blows, so much blood was shed, so many lives were sacrificed, it’s easy to forget we, too, are but a stepping stone for the next generations, a quick stop along the way, History merely blinking its eyes; The young are especially ( and mercifully ) oblivious to this condition: even now as we speak, we already are the long-deceased, we are the past generations historians research and talk about;

And yet, we’re lucky:

We were born in a time where the concept of basic human rights exists and is widely accepted. To our shame, there are still people who are illiterate, people who go hungry and even places where one can be born to a life of virtual slavery, but the concept of democracy is held in such high regard that even authoritarian regimes have again and again tried to feign and claim obedience to it; That precious supremacy was conquered through the blood and lives I mentioned before, through sometimes very personal struggles for justice, through wars and revolutions, and even through art.

That certainly doesn’t mean there is no progress left to be made; it certainly doesn’t mean there isn’t anything worth fighting for, but it does mean we must honor the sacrifices of past generations by recognising we have the right and the means to fight unjust aggressions, but also the grave responsibility to seek dialogue and compromises whenever possible.

History has placed you, my brothers and sisters in Hong Kong, in a very unique situation; Neocolonialism and its Opium Wars, and then the Cold War and the 1949 Chinese Revolution meant that, in 1997, you’d have to find a completely new path to tread. Those things are never painless ( Look at the divided Koreas as our time’s saddest reminder of what fate could have befallen your homeland; Think of Taiwan’s own issues; ), but you, Hong Kong, have managed to make it through somewhat unscathed ( given the circumstances ); Who could have imagined “one country, two systems” could actually work in any degree? I didn’t.

But here you are! And justice be done, no small portion of that is due to Beijing’s efforts to respect your unique background and your share of autonomy, in what seems to be a sincere effort to keep the peace.

History warns us, however, any regime, and that includes even the most democratic, has as much of a survival instinct in them as any animal, and they will push back when really cornered; Being over here on the other side of the planet, it’s not easy for me to fully grasp what it is like to be alive in Hong Kong in 2019, but the question you must ask yourselves is, “Is it really worth it?”. I sincerely don’t have the answer to that, only you do, but please do take a moment to consider: The 1989 Gate of Heavenly Peace protests were mostly well-meaning young people making reasonable demands. When we think about how things turned out, was it really worth it?

So that’s the question you must ask yourselves, my dear Hong Kong brothers and sisters; It seems to me you’re starting to push too far… Are your lives worth it? Are your youth and freedom worth it? I could understand when you took to the streets against the extradition bill, but you’ve stopped it! You’ve won! If the bill or any similar project is presented in the near future ( and I frankly believe nobody would be that stupid ), take to the streets again! But escalating protests without clear, objective demands is a recipe for disaster, however well-meaning its participants may be. Asking for “more democracy”, “more freedom”, “justice” and other general concepts, no matter how noble ideals they may be, is not only ineffective: it usually doesn’t end well, and most of the time ( and I’ve seen it happen ) well-meaning crowds are being manipulated to create instability so that enemies of whatever clique is at the top can try to overthrow them and take their place, or to at the very least keep those in power too busy to focus on much else;

World History has many examples of that. Read about any major revolution, and you will be able to compare what the common people set out to achieve, and what the aftermath was. And there’s always much suffering involved; It usually costs many lives; My own Brazil has gone through that process in a ( so far ) minor way yet again these past few years;

I am forced to humbly repeat how our distance and my ignorance renders me uncapable of giving you a satisfying answer to your unique charade in this confusing and worrisome year of 2019, and I do believe ‘right is more precious than peace’, but I am emboldened by the common humanity that binds us, by my sincere desire for a peaceful solution to your predicament, and by my concern for your safety and prosperity, and therefore I repeat the question: Is this fight worth your peace? Is it worth your blood?

My dear Hong Kong: whatever your decision, whatever happens, believe my very sincere prayers will be with you; May you find the path to ever happier times;

   Best wishes from your Brazilian friend;

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Os 50 Anos do AI-5

   Eu nasci em meio à Abertura e cresci em meio à Redemocratização do Brasil; As ideias, os discursos, os movimentos, o clima na sociedade... Mesmo sem compreender a profunda beleza de tudo, eu respirava o "cheiro da nova estação" que Belchior já detectara vir vindo no vento anos antes. Mesmo sem entender bem o significado daquilo, minha memória gravou o grito de "Diretas já!", as muitas execuções de "Coração de Estudante"; chorei com Tancredo, lembro de Fafá de Belém cantando o hino nacional em homenagem a ele... à medida que crescia, eu estudava, analisava e passava a entender melhor o contexto dentro do qual cheguei ao mundo e cresci; a explicação para o selo de censura antes dos filmes no cinema, o porquê de cantarmos o hino nacional na escola enquanto um aluno e uma aluna hasteavam a bandeira... Pulando repentinamente para o resultado da equação, fico pesadamente triste em chegar aos 50 anos do Ato Institucional número 5 na perspectiva de empossarmos um presidente que alegre e reiteradamente defende a Ditadura Militar, que clara e abertamente defende a tortura e, principalmente, que nunca renegou claramente estes antigos posicionamentos públicos tão injustificáveis.
   É humanamente impossível dizer até que ponto minha índole pessoal coincidiu com o momento histórico do meu país, ou se por ele foi ela moldada; o que sei é que tornei-me alguém que ama a História, e que instintivamente pende para a defesa da Democracia e de sua querida irmã, a Tolerância. Se formos mais fundo, penso que em seu âmago, ambas tem a ver com a arrogância; na verdade, com um esforço em renegá-la: precisamos formar opiniões, defendê-las, tomar decisões e agir, mas sempre devemos conservar conosco pelo menos uma faísca de humildade que insista em repetir para nós que talvez estejamos equivocados; que talvez o caminho escolhido seja ruim; que talvez precisemos dar razão ao outro e voltar atrás.
   Eu realmente acho que este é o fio condutor da Democracia, da República, da Presunção de Inocência, do Iluminismo, da Separação dos Poderes, do velho "duas cabeças pensam melhor que uma", e até do "amai o teu próximo como a ti mesmo" que Cristo nos legou, e do "faça com os outros como queres que façam contigo" que Jesus, Confúcio e outros pregaram; Rejeitar a arrogância cheia de si é o denominador comum de todas estas louváveis lições. Se "o inferno é o outro", como disse um Sartre lamentavelmente correto, são sentimentos como estes que permitem que o homem, animal social, viva e conviva com seus semelhantes que são diferentes.
   Infelizmente, a tolerância não é uma lei da física, e rotineiramente falhamos em aplicá-la. Aqui no Brasil, a Ditadura Militar que durou de 1964 a 1985 ( e às vezes penso se não seria melhor dar 1989 como o ano de seu término ) é o mais recente exemplo da rejeição sistemática da democracia enquanto filosofia de governo. Já cresci, li, amadureci, e sei que as coisas não são preto-no-branco; é possível que alguém em boa fé apoiasse a derrubada de Jango, embora eu a considere um golpe. É possível que várias autoridades bem-intencionadas, inclusive militares, tenham tentado consertar ou amenizar o que se passou de ruim naquelas fatídicas duas décadas. Com tudo isso, o regime não pode ser absolvido no Tribunal da História: cometeu erros graves e dolosos, inclusive contra a própria vida humana.
   Nos primeiros quatro anos, de 1964 a 1968, período entre um irônico "1º de abril" e uma sinistra "sexta-feira 13", vivemos o que Elio Gaspari chamou de "Ditadura Envergonhada": um regime que não queria reconhecer-se autoritário. Gozamos de uma certa fachada de normalidade, de liberdade; tanto internamente quanto no exterior, o governo proativamente buscava renegar a pecha de "ditadura". Os editoriais dos jornais no dia seguinte ao Golpe, as revistas semanais, Lacerda na França, todos insistiam que os que haviam agido o fizeram justamente para salvar a democracia de quem a ameaçava: os comunistas! Porém, as eleições presidenciais de 1965 não vieram, o governo foi adotando postura cada vez mais radical, e a pouca liberdade que concediam era usada para atacá-lo; Em meio ao turbilhão mundial de 1968, o Brasil também contribuiu com seus próprios conflitos. Não é custoso tolerar a liberdade de quem concorda conosco ou baixa a cabeça para nós; Na hora da verdade, tendo que decidir afinal entre retomar o caminho da Democracia ou assumir a Ditadura Escancarada ( mais uma vez Gaspari ), os homens fardados no poder escolheram a segunda opção. O Ato Institucional número 5 não deixava dúvidas: não havia mais meio-termo ou diálogo;
   A gota d'água para o traumático rompimento é tão singela, desimportante, quase cômica diante da brutalidade da reação, que muitos a esqueceram ou completamente ignoram: o Congresso negou ao governo a permissão para processar o deputado Márcio Moreira Alves, que em discurso na Câmara em 2 de setembro havia conclamado o povo a demonstrar seu repúdio à facção mais truculenta das Forças Armadas deixando de participar das comemorações pelo Dia da Independência e demais confraternizações entre civis e militares, inclusive exortando as moças a não dançarem com cadetes e não namorarem com jovens oficiais, boicote que deveria durar até que os próprios alvos se sentissem compelidos a falar contra as arbitrariedades de seus superiores;
   Nas gravações em áudio da sessão que decidiu pela promulgação do Ato, o vice-presidente, um civil, famosamente argumenta que o perigo de um governo com tais poderes não eram homens como Costa e Silva, mas "o guarda na esquina"; Somente o próprio Pedro Aleixo poderia dizer se era uma tentativa prudente de opor-se ao Ato, amenizando essa discordância com a afirmação de crença na boa-fé e retidão do presidente, ou se realmente se preocupava apenas com possíveis abusos nos escalões mais baixos; fato é que a caixa de Pandora foi aberta, e o Brasil tinha mais "guardas nas esquinas" do que se poderia imaginar. O Delegado Sérgio Fleury e o Coronel Brilhante Ustra, por exemplo.
   Nos anos seguintes, cognominados didaticamente de "Anos de Chumbo", pessoas foram caladas, presas, torturadas e mortas. Não eram excessos ocasionais de agentes mais afoitos: era algo rotineiramente praticado e sistematicamente tolerado. Os alvos destes excessos não eram só os opositores que pegaram em armas, os guerrilheiros ou os terroristas da esquerda ( e todos estes existiram ); a realidade histórica ostensivamente desmente quem repete esta falácia, e mesmo estes não mereceriam as torturas ou a execução deliberada; Juristas, jornalistas, políticos, pessoas que estavam no lugar errado na hora errada, até mesmo militares que tentaram moderar os extremismos e crianças estão entre os que foram constrangidos, intimidados, aposentados, espancados, "suicidados" ou desapareceram; Para mencionar somente alguns dos casos mais emblemáticos, o político Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel Filho, o Capitão Sérgio Macaco e o diplomata José Jobim; Jovens opositores do regime como Massafumi Yoshinaga, Stuart Angel e Maria Auxiliadora Lara Barcelos também não mereciam de forma alguma o destino que tiveram. Nem de longe... E dizer que "não mereciam" é embaraçosamente anêmico diante da humilhação e desumanidades a que foram submetidos por seus captores.
   Se a ditadura brasileira matou menos que a de seus vizinhos e compadres, se ela matou menos do que se poderia esperar de uma hipotética ditadura comunista, mesmo assim não poderia ser chamada de "ditabranda", como sugeriu um infeliz editorial de 2009 na Folha de São Paulo; Mesmo se eles tivessem torturado e matado um único indivíduo, eles já teriam torturado e matado uma pessoa a mais do que seria o limite tolerável.
   Voltando à experiência pessoal deste escriba, um período cronologicamente próximo, porém misericordiosamente distinto do descrito no parágrafo anterior, lembro-me de minha surpresa ao descobrir que, quando vim ao mundo, cheguei num Brasil onde ainda vigorava o AI-5. Eu cheguei a respirar o oxigênio do ar daquele Brasil. Foi uma constatação chocante, algo que para mim funciona quase como uma cicatriz.
   Hoje, mais amadurecido, sou capaz de pesar melhor os vários lados de uma questão, tentar conciliar várias verdades. Porém, com a mesma convicção com que Santa Perpétua apontou a jarra d'água, eu digo que 1964 foi um Golpe, que os militares e seus aliados erraram mais do que acertaram, e que alguns de seus erros são injustificáveis. Vou mais além: acredito ainda que eles mesmos, não seus defensores de hoje, mas os donos do poder de então, em seu íntimo, sabem o que aconteceu realmente; Sigam meu raciocínio: eles detinham o poder e a autoridade, de direito e de fato; eles escreveram a Constituição de 1967 e convocaram o Congresso extraordinariamente para outorgá-la; Pelos Ato Institucional número 14 e a Emenda Constitucional número 1, ambos de 1969, foi expandida a aplicação da pena de morte, além da guerra externa, para os casos de "guerra revolucionária" ou "subversiva"; Ora, se eles realmente estivessem agindo de boa-fé, não atuariam às escondidas; diante de Deus e dos homens, do mundo e da sociedade brasileira, empunhando o cetro da civilização, levariam seus opositores aos tribunais, para condená-los de acordo com seus crimes, e puni-los conforme as provisões das leis que eles mesmos haviam redigido. O segredo de seus atos é revelador: suas próprias consciências já então os acusavam, e tinham ciência do erro e baixeza incivilizada que praticavam; Deve ser estranho para os ainda vivos e lúcidos ver uma geração posterior, inclusive civis, defendendo-os não por suas intenções ou acertos, mas por seus piores erros.
   Qual poderia ser a justificativa? Governos ruins? Ora, nossa salvação é justamente termos liberdade para trocá-los, no máximo de 4 em 4 anos ( ocasionalmente menos, no caso do Brasil); Corrupção? Qualquer regime é vulnerável, a diferença é que em ditaduras o grande público não fica sabendo dela. Como se militares não fossem seres humanos, e portanto passíveis da abnegação ou egoísmo de qualquer outro! O período militar tem sua cota de corrupção, a internet está aí para quem tem curiosidade. Você sabia, por exemplo, que os detalhes do processo de decisão dos comitês de políticas monetárias dos países democráticos costumam ser divulgados em pouco tempo ( nos EUA, por exemplo, são 5 anos ), mas que as atas do Conselho Monetário Nacional, documentos referentes à política econômica e atuação do Banco Central durante a ditadura, ainda não estão disponíveis na íntegra para pesquisadores, mesmo para algumas reuniões e decisões com mais de 50 anos?
   Eu não consigo entender ou explicar estes grupos que, a partir de 2013, de forma cada vez mais desinibida pedem "Intervenção Militar". Seria despreparo? Ignorância? Masoquismo? Pois em pedir isto, não se pede um governo de direita ou de esquerda, um governo honesto ou corrupto, nenhuma atuação com viés específico: ditaduras militares não são necessariamente deste ou daquele jeito; pedir intervenção militar é gritar que não se quer escolher o próprio destino, é exigir que outros decidam o que é melhor para nós, e que nos obriguem a seguir a cartilha que eles escolherem, sem termos direito a dar opinião ou influenciar os caminhos. É pedir um governo pela violência, não pelo diálogo. É renegar conquistas alcançadas ao longo de milênios com muito suor, sangue e lágrimas; É rejeitar marcos como a Carta Magna, o Iluminismo, a Revolução Francesa, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Abolição da Escravatura, o movimento trabalhista... é renegar o próprio processo civilizatório, o progresso, o avanço. É escolher o retrocesso. É implorar para não ser dono de si. Para mim, algo muito, muito difícil de compreender.
   Eu acredito que, aliado a um saudosismo natural das pessoas, que sempre tendem a falar dos "bons velhos tempos", o Brasil também está sendo cobrado com juros e correção monetária pela forma como se deu a Anistia, por não termos julgado nossos carrascos como fizeram até nossos vizinhos de América Latina, e pela falta de conhecimento de nossa própria história, alegremente atropelada por nossa precária Educação e convicta e solenemente ignorada por nossos grandes veículos de comunicação; parecemos condenados à não-evolução, a repetir os mesmíssimos erros da mesmíssima forma... Já comparei a eleição de Bolsonaro à de Collor; há quem as compare, ainda, à eleição de Jânio; Ó Brasil, Sísifo dos Trópicos!
   Este ano, elegemos presidente alguém que, enquanto adulto em pleno gozo de suas faculdades mentais, não só defendeu a ditadura reiteradas vezes em público, diante de microfones e câmeras, como nunca se deu ao trabalho de dizer que mudou de ideia. E Bolsonaro elogia o período não pelos seus acertos, mas pelos seus erros! Dedicar seu voto no Impeachment de 2016 à memória do Coronel Brilhante Ustra, tendo o requinte de acrescentar o epíteto "o pavor de Dilma Rousseff", já escrevi, é profundamente cruel, chegando ao sadismo; Porém, minha estimada democracia nos conduziu a ele, e em nome dela, vou engolir minha profunda desaprovação e torcer e tentar cooperar para que Jair Bolsonaro, contra todos os consistentes indícios, mesmo os mais recentes, faça um bom governo.
   Caminhamos agora para as páginas dos livros de História; desejo fervorosamente que sejam preenchidas com parágrafos felizes; Seja como for, nestes 50 anos do AI-5, refletindo sobre a própria eleição de alguém com o discurso de Bolsonaro, eu gostaria de avisar o cronista: Zuenir, eu acho que 1968 acabou.



Links relacionados:

A íntegra do discurso de Márcio Moreira Alves,  cujos desdobramentos são considerados o estopim da decretação do AI-5:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/337450-ATO-INSTITUCIONAL-5--%C3%8DNTEGRA-DO-DISCURSO-DO-EX-DEPUTADO-M%C3%81RCIO-MOREIRA-ALVES-(02%27-51%22).html

"Manoel, da fábrica da Moóca para a morte", dolorido artigo sobre o caso Manoel Fiel Filho:
https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,manoel-da-fabrica-da-mooca-para-a-morte,12037,0.htm

A questão do sigilo das atas do Banco Central do Brasil:
https://www.valor.com.br/financas/5318897/historiadores-defendem-liberacao-total-de-atas-do-banco-central