Um texto que possivelmente desagradará partidários de quase
todos os lados da questão;
Um pouco amargo, cansado, mas muito esperançoso de ver um
Brasil melhor;
Introdução
Se minha vida social, gravemente limitada por circunstâncias
alheias à minha vontade, não pode dar testemunho de minha oposição a Bolsonaro,
meus textos em meu blog e meu histórico no Twitter podem comprová-la
fartamente;
Bolsonaro NUNCA deveria ter sido eleito presidente. Causa-me
tristeza imaginar que seu nome está PARA SEMPRE gravado na lista daqueles que
escolhemos para liderar-nos. Porém, não podemos mais ser o gigante abobalhado,
a colônia manipulada e compartilhada, um país de quinta categoria, uma República
de Bananas, que resolve seus problemas lançando mão de jeitinho, atalhos,
gambiarras, golpes de Estado ou grandes acordos nacionais; Que mais essa,
dentre as infalivelmente sucessivas graves crises, sirva, pelo menos, de lição:
precisamos assumir a responsabilidade pelas escolhas que fizemos para podermos
evoluir e escapar deste ciclo de tragédias e vergonha que nos mantém no
cabresto há mais de 500 anos;
O Imbróglio
Bolsonaro não enganou ninguém, não mentiu sobre suas
opiniões e intenções; Não tentou justificar sua biografia ou sua carreira; Não
disfarçou sua truculência e falta de empatia, ao contrário, desfilou-as e
ostentou-as durante todos os seus 30 anos na política, sustentando-as em falas
públicas diante das câmeras mesmo durante a campanha à presidência; Se nada
disso bastou para que ele fosse impedido legalmente de concorrer, para que ele
fosse repetida & veementemente repudiado de forma aberta pela unanimidade
das lideranças do país ( muitas ofereceram-lhe apoio! ), e, finalmente, para evitar
que ele fosse eleito pela maioria dos votantes, então simplesmente não é justo
que ele perca seu cargo, por mera conveniência, baseado nesses mesmos atributos;
Os donos do Brasil acham que podem mandar e desmandar, botar
e tirar presidentes eleitos, compor sonetos e ensinar a emendá-los. Pois eles, junto
com seu exército de servos e simpatizantes - com destaque para a quase
unanimidade de nossa arrogante grande imprensa, esta que passou anos criando e
venerando seus próprios ídolos de barro ( como Sergio Moro ) e batendo no
petismo ( quando havia excelentes motivos e quando não havia motivo algum ) - mesmo
durante a campanha de 2018, tentando manter uma fachada de imparcialidade que
convence muito poucos, ou insistia em dar espaço para Jair Bolsonaro semear
suas ideias e versões, normalizando-as sem contestá-las, ou espancava
continuamente a alternativa; Estes grupos retomam agora seu hábito histórico de
escolher atalhos, e um dia – tomara que seja hoje – terão de se responsabilizar
por suas escolhas nada impulsivas, mas tão soberbamente refletidas;
Aquelas figuras influentes que trabalharam pela eleição de
Bolsonaro ( não os que simplesmente votaram nele ou declararam publicamente seu
voto, refiro-me aos que fizeram campanha agressiva e esfuziante – e sejam
poupados os muito jovens ou os ignorantes ) não podem simplesmente trocar de
lado enquanto mantém intacta sua empáfia e continuam reivindicando uma aura de
infalibilidade; Que suas consciências apontem sua falha ou hipocrisia, e que, mínimo
dentre os mínimos, passem a demonstrar menos arrogância;
O povo, vítima que, ignorante ou iludido, tantas vezes fabrica
as ferramentas de trabalho de seu próprio verdugo, também precisa aprender
& aprender a ensinar que o voto tem consequências: precisamos parar de
procurar bezerros de ouro e salvadores da pátria que prometam assumir todas as
nossas responsabilidades e resolver todos os nossos problemas e, quando estes falham
( infalivelmente ), sirvam-nos de bodes expiatórios e Judas a serem malhados,
oferecidos que são, em holocausto, para que possamos dizer uns aos outros que a
culpa foi deles, que ELES nos enganaram;
O impichamento ( sim, há uma versão em português da palavra
) é um instrumento utilíssimo, mas por sua gravidade, tem exigências e consequências.
No Brasil, é muito fácil encontrar leis que justifiquem a criminalização
de alguma autoridade inconveniente; O deputado
Barreto Pinto foi o primeiro no país a ser cassado por quebra de decoro em 1949
por se ter deixado fotografar de fraque e cueca samba-canção. Não lhe foi dado
nem o benefício da dúvida – alegou que o fotógrafo teria prometido publicar
apenas a parte superior da imagem; A presidente reeleita Dilma Rousseff caiu –
recordem-se e gargalhem comigo – por pedaladas fiscais! Afastada por uma Câmara
presidida por Eduardo Cunha! E pela mesma legislatura que pouparia Temer duas
vezes! Neste mesmo Congresso que não agiu contra Aécio, Flordelis ou Chico Rodrigues! PEDALADAS FISCAIS!
O impeachment é um rompimento brutal, um trauma, uma
cicatriz na democracia, e isso mesmo quando unânime e incontestavelmente
justificado. No Brasil, virou atalho; Nas circunstâncias atuais, não cabe sua
utilização e não valeria seu custo, seja nas consequências práticas, seja em
mais um arranhão em nossa imagem perante o mundo. O terceiro impeachment em
menos de 30 anos! Travaremos mais uma vez essa batalha fratricida morro acima,
com todos os seus desdobramentos, para colocar na presidência o General Mourão?
Pois eu ainda não vejo justificativa suficiente para superar
meu asco e juntar-me à turma de traidores, hipócritas e interesseiros que estão
a arrebanhar os incautos, os impulsivos e os vingativos para promover suas
causas pessoais; Acreditem, o dia em que me vir convencido da legitimidade da
demanda, será com prazer e um largo sorriso no rosto que irei pedir e pedir a
destituição d’aquele-que-é-mas-nunca-deveria-ter-sido!
O Dilema
Angustiado, no passado eu já tentei convencer a mim mesmo
que o General Mourão seria uma figura mais sensata, e que os militares no
governo moderariam as ações destrambelhadas de Bolsonaro. Sim, “em terra de
cego, quem tem um olho é rei”, mas chega de ilusões! Limitar-se a frases
sensatas ocasionais e civilidade no trato com a imprensa não bastam quando se é
vice-presidente da República;
Admita-se, é uma figura bem mais preparada, cordial, polida
e até simpática que o atual titular, e bem menos triste de assistir do que
Bolsonaro, mas também defende o regime de 1964, e continua condescendendo e justificando os absurdos feitos e ditos por este governo.
Devo apoiar o impeachment que agora pedem aqueles que em 2018 engoliram e empurraram Bolsonaro, ainda que meio a contragosto,
quando este mostrou-se o único que poderia derrotar a alternativa? Que
normalizaram-no e condescenderam com seus absurdos, desde que defendesse a política
neoliberal entreguista?
Ou seja, teríamos a continuidade desta gestão: a mesma
turma, o mesmo ideário; Talvez até o Paulo Guedes fosse poupado!
Gente que, em nome dessa agenda, trabalhou para que um Bolsonaro
chegasse à cadeira presidencial, e que agora quer distanciar-se das
falhas dele e destituí-lo para proteger essa mesma agenda? Com o
impeachment, os responsáveis pela calamidade atual ficariam todos
impunes! Mais
um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”!
Apoiar o impeachment de Bolsonaro neste momento só porque é
conveniente e seria possível interpretar ações suas como crime de
responsabilidade é como ter apoiado o impeachment de Dilma! É golpismo!
A Consolação
Não é impossível que eu mude de opinião já nos próximos
dias: os fatos por trás do colapso da saúde em Manaus, por exemplo, podem vir a
indicar que a incompetência e negligência de alguns agentes públicos da esfera
municipal, estadual e / ou federal possam ter alcançado o patamar de crime; Há também as
investigações sobre possíveis ilegalidades de Bolsonaro e seus filhos, investigações que
pareceram não avançar nestes dois anos, mas que agora talvez voltem a andar; Por
enquanto, porém, insisto que não vejo legitimidade num impeachment do presidente;
O que não significa que não temos alternativas para
impedirmos o destrambelhamento desta gestão de correr livre pelos verdes campos
do Brasil!
Bolsonaro é nosso presidente eleito, não nosso dono; Uma das
vantagens da divisão em 3 poderes é a possibilidade dos outros dois agirem para
evitar que um deles jogue a nação no precipício.
Pois que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso ajam para
contornar as ações mais danosas deste governo; Eles não souberam interagir para
engessar, sabotar e derrubar Dilma, que foi reeleita, mas não conseguiu
governar em seu segundo mandato? Pois que retomem aquela postura agora contra
os piores erros deste governo.
Os apoiadores de Bolsonaro já não reclamam de constantes
ações que, na interpretação deles, são interferências no Poder Executivo? O
Presidente da Câmara não se encontrou com o Embaixador da China nos últimos
dias, quando o normal seria o Ministro das Relações Exteriores, ou mesmo o da Saúde, fazer esta interlocução? O
Supremo Tribunal Federal já não repetidas vezes reverteu medidas do presidente
que julgou estarem em desacordo com as leis?
Pois que, SEMPRE GUIADOS PELO ESPÍRITO DO BEM PÚBLICO E DA LEGALIDADE, E
LIMITADOS POR SUA BOA FÉ, sigam fiscalizando uns aos outros, como forma de justificar seus injustificáveis privilégios; E que a sociedade fiscalize atentamente os três;
Dentro dos limites da civilidade, da Constituição e da
pandemia, que o povo se manifeste, proteste e pressione! Eu não vejo base para
um impeachment, mas não ficaria triste com uma renúncia, desde que ela fosse espontânea, e não ocasionada por ameaças;
Um Obstáculo Relevante
Sempre houve pessoas hábeis em suas falas que convencem
outros a segui-los. Mesmo charlatães buscando lucro fácil e líderes ditatoriais
conquistam a fidelidade de uma parcela das pessoas. Já testemunhamos até mesmo seitas
que convenceram seus seguidores a cometer suicídio grupal acreditando que isso
seria a coisa certa a fazer.
A internet e as redes sociais, com a superexposição de uma
projeção idealizada do “eu”, feliz e perfeita, em concerto com a evolução dos
videojogos, criaram tribos com verdadeiros mundos e mitologias próprias, possuidoras
de regras, símbolos, lendas e códigos que mesmo parentes a amigos de seus
habitantes não conhecem ou compreenderiam, isso numa escala que, até poucos
anos, as limitações tecnológicas não permitiam; Estas pessoas caminham pelo
nosso mundo real cientes de como ele funciona, mas crendo serem especiais,
possuidores de um conhecimento oculto para a maioria, que lhes permite
interpretar e enxergar uma suposta ultrarealidade. Chame de fanatismo, Teoria
da Conspiração, Matrix, ou como queira: assim como os participantes de um
reality show podem estar completamente iludidos quanto ao que o público está
pensando deles, estas pessoas também são prisioneiras da interpretação da
realidade que escolheram em algum ponto do passado; É a manifestação de uma vulnerabilidade da natureza humana;
Observadores mais astutos perceberam o agigantamento deste fenômeno, e começaram a direcioná-lo em seu benefício, seja fidelizando o
público de uma franquia de filmes ou de séries de televisão ( e suas
intermináveis continuações e derivações ), seja cultivando os fãs de um artista
ou grupo musical, sempre com um novo penteado, um novo vídeo, uma nova
declaração polêmica; Ou mesmo atuando com o intuito de arrebanhar eleitores fiéis, que
só veem a verdade e a justiça em uma única matiz política, enxergando o mal em
tudo que esteja fora dela.*
Pois Bolsonaro, assim como seu grande modelo, Donald
Trump, faz uso dessas táticas. Tudo que ele faz, acreditam seus apoiadores, tem
as mais nobres intenções, uma justificativa, uma astuta estratégia por trás;
Tudo que seus opositores fazem, por sua vez, está eivado de maldade, malícia, interesses
escusos, e faz parte de grandes complôs mundiais; Os inimigos invariavelmente são ardilosos, poderosos e terrivelmente ameaçadores, ao mesmo tempo em que, pelo mérito de nossos esforços, estão fatalmente condenados à derrota; É como o roteiro de tantos e tantos filmes, é um faz-de-conta para
adultos; Pois a grande mídia alimentou ou tolerou este movimento, e agora ele é
real e tem força: apoiadores de Trump invadiram o Capitólio no coração da
democracia ocidental.
E mesmo depois de tudo o que vimos, Bolsonaro ainda hoje tem
muitos apoiadores; Aqueles que agem de boa fé devem testemunhar as
consequências de suas escolhas, para que tenham a oportunidade de se
arrependerem: eles têm direito à redenção; Aqueles que o fazem por qualquer
outro motivo menos nobre e mesmo agora insistem em pedir por mais Bolsonaro, esses merecem
serem satisfeitos em sua demanda... até se fartarem!
A Oportunidade de Amadurecermos
Que a imprensa denuncie os problemas e mostre a cara desta
administração e de suas políticas. Que aqueles que sabem que ladrilharam o caminho
deste homem até a presidência “com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante” trabalhem
com o mesmo afinco para impedi-lo de espalhar mais algum mal. Que o
arrependimento dos bem-intencionados seja tão produtivo quanto foi o antigo apoio.
Quantos de nós comemoraram quando o deputado Bruno Araújo
deu o voto decisivo no afastamento da presidente Dilma com aquele exultante
“Sim para o futurooooo!”? Pois aquele futuro que escolhemos, ele chegou. Teremos
agora que digeri-lo.
Não devemos nos comportar como crianças que fazem birra para
não ter que ir à escola, ou que não querem tomar a vacina; Chega de jeitinho,
atalhos e grandes acordos nacionais! Conversemos com civilidade e franqueza! Enfrentemos
juntos nossos problemas, e caminhemos rumo a uma nação mais madura, inteligente,
digna e justa;
São meus votos e
minha esperança neste mui conturbado começo do ano de 2021;
* Tenho a impressão de haver uma fraqueza nestes movimentos:
eles parecem precisar sustentar o frenesi para se manterem viáveis: sempre tem
que haver uma emergência, um novo e vil ataque dos inimigos, uma ameaça a
pairar sobre nós, uma nova estratégia de ação, uma enorme reviravolta que
acontecerá nos próximos dias... É preciso manter o “cliente” preso à ilusão,
ou o encanto se quebra, o feitiço se desmancha; Mais ou menos como golpistas
que agem por telefone, e que não deixam a vítima desligar para que ela não tenha
a oportunidade de refletir, cair em si,
duvidar e certificar-se do que realmente está acontecendo; Talvez este seja o
caminho: uma desintoxicação temporária;