Já são mais de 30 anos de redemocratização, em que a liberdade de imprensa expõe nossos defeitos diariamente nos jornais, na tv e, nas últimas duas décadas, na internet. Os serviços públicos, principalmente a Saúde e a Educação, se deteriorando a olhos vistos; os privilégios das classes abastadas, cada vez mais abastadas, mesmo em meio à nossa sucessão de graves crises econômicas; não bastassem os privilégios, na prática medievalmente hereditários, escândalos mastodônticos de corrupção se sucedem como os capítulos diários de nossas populares novelas.
O Partido dos Trabalhadores, com todos os seus defeitos ( e eu mesmo nunca votei neles para presidente no primeiro turno ), pelo menos neste quesito tem um currículo digno de aplausos: pode-se questionar os reais objetivos, os meios adotados e o preço pago por isto, mas efetivamente diminuíram o abismo que separa nossos ricos e nossos pobres, combateram a mortalidade infantil e a miséria, puseram comida na mesa de muita gente que não tinha o que comer; mesmo na hora de cobrá-los por seus piores erros, desta virtude eu não vou esquecer: Cristo ensinou: "Dai a César o que é de César".
Porém, justamente seu grande sucesso eleitoral erigiu um dos pilares de seu fracasso: 13 anos no poder significaram que toda uma geração que hoje tem vinte e poucos anos ou menos não lembra e não viu o Brasil pré-PT. Não são capazes de, pela própria vivência, avaliar o progresso feito; não tendo feito a árdua caminhada monte acima, abrem os olhos e começam a tatear o mundo, e veem apenas que o cume ainda está longe. Essa geração foi facilmente sequestrada pela onda mundial de uma Nova Direita de tendências neoliberais e, ocasionalmente, protofascista, e acha que todos os males da sociedade, mesmo aqueles que herdamos dos portugueses, são culpa do lulopetismo bolivariano gramscista marxista comunista da petralhada. Ouço-os repetir e insistir, convictos, que incompetência, medidas desastrosas e corrupção são monopólio da esquerda. Alimentados pela linda e equivocada arrogância da juventude, armados com os sofismas de YouTubers ignorantes ou interesseiros ( ou ambos ), eles fazem fila para pular no abismo do profundo arrependimento. Eu faço absoluta questão de ressaltar: a direita, o conservadorismo e o neoliberalismo são pautas perfeitamente legítimas, e a existência de grupos discordantes é saboroso alimento para qualquer democracia saudável; o que lamento é ver tudo fora dessa vertente ser classificado de comunismo, o progressismo e o trabalhismo serem renegados, demonizados, e todas as suas facetas serem ameaçadas de exclusão do debate. Essa é a maldição que paira sobre nós.
Aos jovens curiosos, não é necessário acumular muitos anos de vida ou muitas páginas de leitura para perceber algo tão evidente: a própria cultura popular registrou o que era o Brasil antes do PT, e a internet disponibiliza alguns destes testemunhos: vejam, por exemplo, a trama, ou mesmo a própria abertura de "Vale Tudo", sucesso na virada de 1988 para 1989, talvez a última grande novela a comentar a sociedade de seu tempo: o enredo pegou a injustiça, corrupção e impunidade que já eram empurrados pela nossa goela abaixo e vomitou de volta na cara de nossa sociedade no horário nobre da Globo; O mesmo YouTube que te seduz com teorias da conspiração pode resgatar o emocionante desfile de carnaval da Beija-Flor de 1989 com o enredo "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia!", que marcou uma então criança com uma força que só encontrou rival 30 anos depois, com a emoção de ver a Tuiuti desfilar este ano. Ambas foram injustiçadas com vice-campeonatos, mas foram dois desfiles que honraram o Sambódromo e a arte que os concebeu. Não, meus jovens amigos; com todos os seus graves erros, não foi o PT que afundou o Titanic, matou Kennedy ou inaugurou a bagunça institucional no Brasil;
Quem prestou atenção nas datas ou tem idade para lembrar, sabe que foi nesse clima que chegamos às eleições diretas para presidente de 1989, as primeiras em quase 30 anos. Naquela ocasião, escolhemos Collor: um político desconhecido que, de repente, virou o super-herói que iria resolver os problemas do país; alguém que não dava detalhes de seus planos nem comparecia a debates, mas mesmo assim ficou em primeiro lugar nas pesquisas e, mesmo sendo de um partido nanico, conseguiu chegar à presidência anunciando que ia criar um Brasil novo, enterrando a velha política corrupta com um jeito novo de fazer as coisas. Jovens amigos, isso soa familiar?
Collor ensaiou algumas medidas neoliberais. Fernando Henrique Cardoso foi o próximo a tentar algo nesse sentido. Temer, com seus insensíveis Teto de Gastos e Reforma Trabalhista foi mais um. Todas as 3 tentativas redundaram em baixa popularidade, o que está longe de ser raro entre governantes que adotam esta linha. Pinochet, por exemplo, só conseguiu implantá-la no Chile porque era uma ditadura que não permitia dissidências. Em texto anterior, já mencionei que "40 anos depois, os britânicos já perceberam que as promessas neoliberais da Era Thatcher não se materializaram: 76% querem re-estatizar as ferrovias; 77% querem que o poder público reassuma a eletricidade e o gás; 83% pedem a volta do fornecimento estatal de água!". A eleição de Macri na Argentina foi saudada pelos neoliberais do Brasil, que agora colocam a crise em nosso vizinho-irmão na conta da "social-democracia".
Pois o Brasil resolveu desta feita recolocar o neoliberalismo na presidência pelo voto. E não é um neoliberalismo qualquer: descartamos os Alckmins, os Meirelles e os Amoêdos; renegamos os genéricos e prestigiamos Bolsonaro e sua economia comandada por legítimos "Rapazes de Chicago". O próprio capitão já falou na necessidade de apoio dos governadores recém-eleitos para as inevitáveis medidas amargas; já falou em Reforma da Previdência e em auditoria nos programas sociais; nada de "neoliberalismo Nutella", vem aí o "neoliberalismo de raiz", com pedigree e tudo.
Ai de nós... Ai de nós!
Já escrevi um pouco em textos anteriores sobre como acredito que isto é um grande, grande equívoco. Numa oligarquia convicta de 500 anos, em meio a uma das mais graves crises de nossa história... Falar de neoliberalismo neste momento é se preocupar com guardanapos de linho bordados à mão quando está faltando comida! Como falar em "austeridade" em meio a uma crise com milhões de desempregados e subempregados? Como falar em "arrocho" quando já o temos, na prática, há anos? Como empurrar medidas neoliberais e falar em "menos Estado" em meio a isso tudo? E como pedir mais sacrifícios do povo enquanto vemos castas continuarem seu banquete? A Suprema Corte de nosso país, aqueles que nos julgam, não têm olhos para nossa realidade? Moram em outro continente? Não têm nem mesmo compaixão? Não estão vendo a crescente onda anti-establishment que cresce desde a Redemocratização, levantou fervura em 2013, não se satisfez com o Impeachment, elegeu Bolsonaro e muitos de seus apoiadores e continua borbulhando? A tendência é que Temer sancione o aumento para o STF. Alegando a necessidade de reposição salarial, o teto do funcionalismo, que já ganha mais de 33 salários mínimos ( isso sem contar os penduricalhos, como o famigerado auxílio-moradia ) pede, só de aumento, o equivalente a 6 vezes o valor com que o governo diz ser possível sustentar uma família de 4 pessoas ( isso para quem tem sorte, porque metade de nossa população tem renda menor que 1 salário mínimo ). É nesse país que se fala em "austeridade", "medidas amargas", "sacrifícios"? É nele que queremos ver os "Rapazes de Chicago" em ação?
Continuo tentando dar uma chance ao governo Bolsonaro, continuo ficando cada vez mais preocupado, angustiado mesmo; Ele ainda nem assumiu e já nos custa os profissionais cubanos do "Mais Médicos", quando poderia muito bem ter esperado a posse e preparado um "plano b" antes de externar com tanta veemência sua insatisfação com os termos do mesmo: um grave problema, do tipo que pode literalmente custar vidas, criado por falas absolutamente gratuitas; E para os apoiadores do presidente eleito que comemoram o grande número de inscrições no edital criado às pressas, recomendo prudência: esperemos para ver a taxa de desistência e se os convocados realmente irão para as periferias das cidades e o interior do país, como se desejaria. Aliás, será que a suposta "doutrinação de esquerda" nas instituições de ensino é um problema realmente relevante? Porque se ela está acontecendo há 3 décadas, como argumentam, como Bolsonaro e uma enorme legião de aliados foi eleita? Ou a doutrinação está fracassando completamente ou ( e é nisto que creio ), ela nunca existiu como movimento organizado, como uma ação sistemática; Num país onde temos escolas sem teto nem banheiro, sem professores e com profissionais sem especialização, sem salário justo ou mesmo o antigo respeito da sociedade, será que devemos voltar nossa atenção para projetos como o "Escola Sem Partido"?
Pensando no despreparo de Bolsonaro e de grande parte de quem o cerca e da bancada que o apoia, temendo ainda a cegueira ideológica de outra parcela deles, fico temeroso dos haraquiris diplomáticos ou das tesouras neoliberais da equipe econômica alcançarem de alguma forma nosso agronegócio. Estamos em meio a um déficit asfixiante nas contas públicas que se repete há anos, o único setor com saúde é o agronegócio, que praticamente está carregando o país nas costas. Mexer em qualquer incentivo ou subsídio neste momento seria uma tolice suicida da pior espécie, daquela que, mesmo finalmente percebida, não pode ser revertida com uma canetada: neste setor, as medidas levam meses para começar a dar frutos e render colheitas. Temo um governo de recuos desastrados, de tropeços e de corridas atabalhoadas para tentar remendar estes tropeços; Insisto: está muito difícil manter algum otimismo com o governo Bolsonaro... Infelizmente, escolhemos esta via quando fomos às ruas em 2013, e perdemos o último retorno com o fim do primeiro turno das eleições. Agora, é chorar o leite derramado e rezar de joelhos. Como diz o ditado japonês que gosto de citar: "se engolir veneno, lamba o prato!".
...E assim voltamos ao tema com que abri o texto: vejo uma "tempestade perfeita" se formar; Pedir mais sacrifícios aos mais sacrificados enquanto bancos alcançam lucros bilionários e nossas autoridades que já ostentam seu privilégio pedem aumento? Em meio a uma onda cada vez maior e mais preocupante de insatisfação e instabilidade, onda esta alimentada por mídias sociais, tanto as cultas, justificadas e moderadas quanto as ignorantes, hipócritas e agressivas, unânimes em seus alvos? Animal acuado ataca; O povo em desespero que pediu a cabeça de seu rei outrora aclamado e que abriu a porta para o estranho que se apresentou como a única opção, a última novidade não testada, o que fará se convencer-se que foi enganado mais uma vez, uma última vez?
A atual conjuntura me lembra aquilo que leio sobre os antecedentes da Revolução Francesa, e por isso recordei-me da charge que encerra essa postagem, muito utilizada em textos sobre os antecedentes históricos do processo. A gravura retrata o povo, com sacrifício, carregando nas costas as classes privilegiadas. A legenda diz: "Devemos esperar que isto acabe logo"; Realmente, logo teríamos o povo tomando a Bastilha, e os anos de violenta turbulência que se seguiram à ruptura.
O que nos aguarda no Brasil de 2019? Eu só consigo antever dificuldades... Estaria o povo brasileiro destinado a finalmente fazer a tal revolução preconizada por alguns? O que resultaria dela? E se Bolsonaro, fiel à sua formação, discurso e aliados, tentar responder qualquer tumulto com a mão pesada da autoridade? Como isso repercutiria internacionalmente na conjuntura de hoje? Ou será que, fiel à sua história, o rebanho de ovelhas dará um longo suspiro, resmungará algo e voltará sua atenção ao cotidiano pasto? O "gigante adormecido" mais uma vez vai acordar, beber água, fazer xixi e voltar para a cama? Seria o destino de Hy-Brasil em "As Aventuras de Erik, o Viking" (1989) um presságio? Todas as hipóteses acima me dão pesadelos... Companheiros de viagem, eu estou com medo de 2019!
#RezemPeloBrasil #MedoDe2019 #2019MeDáPesadelos
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