quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Os 50 Anos do AI-5

   Eu nasci em meio à Abertura e cresci em meio à Redemocratização do Brasil; As ideias, os discursos, os movimentos, o clima na sociedade... Mesmo sem compreender a profunda beleza de tudo, eu respirava o "cheiro da nova estação" que Belchior já detectara vir vindo no vento anos antes. Mesmo sem entender bem o significado daquilo, minha memória gravou o grito de "Diretas já!", as muitas execuções de "Coração de Estudante"; chorei com Tancredo, lembro de Fafá de Belém cantando o hino nacional em homenagem a ele... à medida que crescia, eu estudava, analisava e passava a entender melhor o contexto dentro do qual cheguei ao mundo e cresci; a explicação para o selo de censura antes dos filmes no cinema, o porquê de cantarmos o hino nacional na escola enquanto um aluno e uma aluna hasteavam a bandeira... Pulando repentinamente para o resultado da equação, fico pesadamente triste em chegar aos 50 anos do Ato Institucional número 5 na perspectiva de empossarmos um presidente que alegre e reiteradamente defende a Ditadura Militar, que clara e abertamente defende a tortura e, principalmente, que nunca renegou claramente estes antigos posicionamentos públicos tão injustificáveis.
   É humanamente impossível dizer até que ponto minha índole pessoal coincidiu com o momento histórico do meu país, ou se por ele foi ela moldada; o que sei é que tornei-me alguém que ama a História, e que instintivamente pende para a defesa da Democracia e de sua querida irmã, a Tolerância. Se formos mais fundo, penso que em seu âmago, ambas tem a ver com a arrogância; na verdade, com um esforço em renegá-la: precisamos formar opiniões, defendê-las, tomar decisões e agir, mas sempre devemos conservar conosco pelo menos uma faísca de humildade que insista em repetir para nós que talvez estejamos equivocados; que talvez o caminho escolhido seja ruim; que talvez precisemos dar razão ao outro e voltar atrás.
   Eu realmente acho que este é o fio condutor da Democracia, da República, da Presunção de Inocência, do Iluminismo, da Separação dos Poderes, do velho "duas cabeças pensam melhor que uma", e até do "amai o teu próximo como a ti mesmo" que Cristo nos legou, e do "faça com os outros como queres que façam contigo" que Jesus, Confúcio e outros pregaram; Rejeitar a arrogância cheia de si é o denominador comum de todas estas louváveis lições. Se "o inferno é o outro", como disse um Sartre lamentavelmente correto, são sentimentos como estes que permitem que o homem, animal social, viva e conviva com seus semelhantes que são diferentes.
   Infelizmente, a tolerância não é uma lei da física, e rotineiramente falhamos em aplicá-la. Aqui no Brasil, a Ditadura Militar que durou de 1964 a 1985 ( e às vezes penso se não seria melhor dar 1989 como o ano de seu término ) é o mais recente exemplo da rejeição sistemática da democracia enquanto filosofia de governo. Já cresci, li, amadureci, e sei que as coisas não são preto-no-branco; é possível que alguém em boa fé apoiasse a derrubada de Jango, embora eu a considere um golpe. É possível que várias autoridades bem-intencionadas, inclusive militares, tenham tentado consertar ou amenizar o que se passou de ruim naquelas fatídicas duas décadas. Com tudo isso, o regime não pode ser absolvido no Tribunal da História: cometeu erros graves e dolosos, inclusive contra a própria vida humana.
   Nos primeiros quatro anos, de 1964 a 1968, período entre um irônico "1º de abril" e uma sinistra "sexta-feira 13", vivemos o que Elio Gaspari chamou de "Ditadura Envergonhada": um regime que não queria reconhecer-se autoritário. Gozamos de uma certa fachada de normalidade, de liberdade; tanto internamente quanto no exterior, o governo proativamente buscava renegar a pecha de "ditadura". Os editoriais dos jornais no dia seguinte ao Golpe, as revistas semanais, Lacerda na França, todos insistiam que os que haviam agido o fizeram justamente para salvar a democracia de quem a ameaçava: os comunistas! Porém, as eleições presidenciais de 1965 não vieram, o governo foi adotando postura cada vez mais radical, e a pouca liberdade que concediam era usada para atacá-lo; Em meio ao turbilhão mundial de 1968, o Brasil também contribuiu com seus próprios conflitos. Não é custoso tolerar a liberdade de quem concorda conosco ou baixa a cabeça para nós; Na hora da verdade, tendo que decidir afinal entre retomar o caminho da Democracia ou assumir a Ditadura Escancarada ( mais uma vez Gaspari ), os homens fardados no poder escolheram a segunda opção. O Ato Institucional número 5 não deixava dúvidas: não havia mais meio-termo ou diálogo;
   A gota d'água para o traumático rompimento é tão singela, desimportante, quase cômica diante da brutalidade da reação, que muitos a esqueceram ou completamente ignoram: o Congresso negou ao governo a permissão para processar o deputado Márcio Moreira Alves, que em discurso na Câmara em 2 de setembro havia conclamado o povo a demonstrar seu repúdio à facção mais truculenta das Forças Armadas deixando de participar das comemorações pelo Dia da Independência e demais confraternizações entre civis e militares, inclusive exortando as moças a não dançarem com cadetes e não namorarem com jovens oficiais, boicote que deveria durar até que os próprios alvos se sentissem compelidos a falar contra as arbitrariedades de seus superiores;
   Nas gravações em áudio da sessão que decidiu pela promulgação do Ato, o vice-presidente, um civil, famosamente argumenta que o perigo de um governo com tais poderes não eram homens como Costa e Silva, mas "o guarda na esquina"; Somente o próprio Pedro Aleixo poderia dizer se era uma tentativa prudente de opor-se ao Ato, amenizando essa discordância com a afirmação de crença na boa-fé e retidão do presidente, ou se realmente se preocupava apenas com possíveis abusos nos escalões mais baixos; fato é que a caixa de Pandora foi aberta, e o Brasil tinha mais "guardas nas esquinas" do que se poderia imaginar. O Delegado Sérgio Fleury e o Coronel Brilhante Ustra, por exemplo.
   Nos anos seguintes, cognominados didaticamente de "Anos de Chumbo", pessoas foram caladas, presas, torturadas e mortas. Não eram excessos ocasionais de agentes mais afoitos: era algo rotineiramente praticado e sistematicamente tolerado. Os alvos destes excessos não eram só os opositores que pegaram em armas, os guerrilheiros ou os terroristas da esquerda ( e todos estes existiram ); a realidade histórica ostensivamente desmente quem repete esta falácia, e mesmo estes não mereceriam as torturas ou a execução deliberada; Juristas, jornalistas, políticos, pessoas que estavam no lugar errado na hora errada, até mesmo militares que tentaram moderar os extremismos e crianças estão entre os que foram constrangidos, intimidados, aposentados, espancados, "suicidados" ou desapareceram; Para mencionar somente alguns dos casos mais emblemáticos, o político Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel Filho, o Capitão Sérgio Macaco e o diplomata José Jobim; Jovens opositores do regime como Massafumi Yoshinaga, Stuart Angel e Maria Auxiliadora Lara Barcelos também não mereciam de forma alguma o destino que tiveram. Nem de longe... E dizer que "não mereciam" é embaraçosamente anêmico diante da humilhação e desumanidades a que foram submetidos por seus captores.
   Se a ditadura brasileira matou menos que a de seus vizinhos e compadres, se ela matou menos do que se poderia esperar de uma hipotética ditadura comunista, mesmo assim não poderia ser chamada de "ditabranda", como sugeriu um infeliz editorial de 2009 na Folha de São Paulo; Mesmo se eles tivessem torturado e matado um único indivíduo, eles já teriam torturado e matado uma pessoa a mais do que seria o limite tolerável.
   Voltando à experiência pessoal deste escriba, um período cronologicamente próximo, porém misericordiosamente distinto do descrito no parágrafo anterior, lembro-me de minha surpresa ao descobrir que, quando vim ao mundo, cheguei num Brasil onde ainda vigorava o AI-5. Eu cheguei a respirar o oxigênio do ar daquele Brasil. Foi uma constatação chocante, algo que para mim funciona quase como uma cicatriz.
   Hoje, mais amadurecido, sou capaz de pesar melhor os vários lados de uma questão, tentar conciliar várias verdades. Porém, com a mesma convicção com que Santa Perpétua apontou a jarra d'água, eu digo que 1964 foi um Golpe, que os militares e seus aliados erraram mais do que acertaram, e que alguns de seus erros são injustificáveis. Vou mais além: acredito ainda que eles mesmos, não seus defensores de hoje, mas os donos do poder de então, em seu íntimo, sabem o que aconteceu realmente; Sigam meu raciocínio: eles detinham o poder e a autoridade, de direito e de fato; eles escreveram a Constituição de 1967 e convocaram o Congresso extraordinariamente para outorgá-la; Pelos Ato Institucional número 14 e a Emenda Constitucional número 1, ambos de 1969, foi expandida a aplicação da pena de morte, além da guerra externa, para os casos de "guerra revolucionária" ou "subversiva"; Ora, se eles realmente estivessem agindo de boa-fé, não atuariam às escondidas; diante de Deus e dos homens, do mundo e da sociedade brasileira, empunhando o cetro da civilização, levariam seus opositores aos tribunais, para condená-los de acordo com seus crimes, e puni-los conforme as provisões das leis que eles mesmos haviam redigido. O segredo de seus atos é revelador: suas próprias consciências já então os acusavam, e tinham ciência do erro e baixeza incivilizada que praticavam; Deve ser estranho para os ainda vivos e lúcidos ver uma geração posterior, inclusive civis, defendendo-os não por suas intenções ou acertos, mas por seus piores erros.
   Qual poderia ser a justificativa? Governos ruins? Ora, nossa salvação é justamente termos liberdade para trocá-los, no máximo de 4 em 4 anos ( ocasionalmente menos, no caso do Brasil); Corrupção? Qualquer regime é vulnerável, a diferença é que em ditaduras o grande público não fica sabendo dela. Como se militares não fossem seres humanos, e portanto passíveis da abnegação ou egoísmo de qualquer outro! O período militar tem sua cota de corrupção, a internet está aí para quem tem curiosidade. Você sabia, por exemplo, que os detalhes do processo de decisão dos comitês de políticas monetárias dos países democráticos costumam ser divulgados em pouco tempo ( nos EUA, por exemplo, são 5 anos ), mas que as atas do Conselho Monetário Nacional, documentos referentes à política econômica e atuação do Banco Central durante a ditadura, ainda não estão disponíveis na íntegra para pesquisadores, mesmo para algumas reuniões e decisões com mais de 50 anos?
   Eu não consigo entender ou explicar estes grupos que, a partir de 2013, de forma cada vez mais desinibida pedem "Intervenção Militar". Seria despreparo? Ignorância? Masoquismo? Pois em pedir isto, não se pede um governo de direita ou de esquerda, um governo honesto ou corrupto, nenhuma atuação com viés específico: ditaduras militares não são necessariamente deste ou daquele jeito; pedir intervenção militar é gritar que não se quer escolher o próprio destino, é exigir que outros decidam o que é melhor para nós, e que nos obriguem a seguir a cartilha que eles escolherem, sem termos direito a dar opinião ou influenciar os caminhos. É pedir um governo pela violência, não pelo diálogo. É renegar conquistas alcançadas ao longo de milênios com muito suor, sangue e lágrimas; É rejeitar marcos como a Carta Magna, o Iluminismo, a Revolução Francesa, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Abolição da Escravatura, o movimento trabalhista... é renegar o próprio processo civilizatório, o progresso, o avanço. É escolher o retrocesso. É implorar para não ser dono de si. Para mim, algo muito, muito difícil de compreender.
   Eu acredito que, aliado a um saudosismo natural das pessoas, que sempre tendem a falar dos "bons velhos tempos", o Brasil também está sendo cobrado com juros e correção monetária pela forma como se deu a Anistia, por não termos julgado nossos carrascos como fizeram até nossos vizinhos de América Latina, e pela falta de conhecimento de nossa própria história, alegremente atropelada por nossa precária Educação e convicta e solenemente ignorada por nossos grandes veículos de comunicação; parecemos condenados à não-evolução, a repetir os mesmíssimos erros da mesmíssima forma... Já comparei a eleição de Bolsonaro à de Collor; há quem as compare, ainda, à eleição de Jânio; Ó Brasil, Sísifo dos Trópicos!
   Este ano, elegemos presidente alguém que, enquanto adulto em pleno gozo de suas faculdades mentais, não só defendeu a ditadura reiteradas vezes em público, diante de microfones e câmeras, como nunca se deu ao trabalho de dizer que mudou de ideia. E Bolsonaro elogia o período não pelos seus acertos, mas pelos seus erros! Dedicar seu voto no Impeachment de 2016 à memória do Coronel Brilhante Ustra, tendo o requinte de acrescentar o epíteto "o pavor de Dilma Rousseff", já escrevi, é profundamente cruel, chegando ao sadismo; Porém, minha estimada democracia nos conduziu a ele, e em nome dela, vou engolir minha profunda desaprovação e torcer e tentar cooperar para que Jair Bolsonaro, contra todos os consistentes indícios, mesmo os mais recentes, faça um bom governo.
   Caminhamos agora para as páginas dos livros de História; desejo fervorosamente que sejam preenchidas com parágrafos felizes; Seja como for, nestes 50 anos do AI-5, refletindo sobre a própria eleição de alguém com o discurso de Bolsonaro, eu gostaria de avisar o cronista: Zuenir, eu acho que 1968 acabou.



Links relacionados:

A íntegra do discurso de Márcio Moreira Alves,  cujos desdobramentos são considerados o estopim da decretação do AI-5:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/337450-ATO-INSTITUCIONAL-5--%C3%8DNTEGRA-DO-DISCURSO-DO-EX-DEPUTADO-M%C3%81RCIO-MOREIRA-ALVES-(02%27-51%22).html

"Manoel, da fábrica da Moóca para a morte", dolorido artigo sobre o caso Manoel Fiel Filho:
https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,manoel-da-fabrica-da-mooca-para-a-morte,12037,0.htm

A questão do sigilo das atas do Banco Central do Brasil:
https://www.valor.com.br/financas/5318897/historiadores-defendem-liberacao-total-de-atas-do-banco-central

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Pensar em 2019 Me Dá Pesadelos

   Somos, nós brasileiros, um povo bem tranqüilo ( assim mesmo, com trema ). Os mais cínicos diriam "indolente", "frouxo", ou até "covarde". É fato que nunca tivemos uma grande revolução ou guerra civil ( e há mesmo quem lamente isto, e culpe esta lacuna por boa parte de nossos males ) e mesmo os focos de resistência violenta a isto ou àquilo são espasmódicos, episódicos. Poderia a "tempestade perfeita" que se avizinha em 2019 romper com essa tradição?

   Já são mais de 30 anos de redemocratização, em que a liberdade de imprensa expõe nossos defeitos diariamente nos jornais, na tv e, nas últimas duas décadas, na internet. Os serviços públicos, principalmente a Saúde e a Educação, se deteriorando a olhos vistos; os privilégios das classes abastadas, cada vez mais abastadas, mesmo em meio à nossa sucessão de graves crises econômicas; não bastassem os privilégios, na prática medievalmente hereditários, escândalos mastodônticos de corrupção se sucedem como os capítulos diários de nossas populares novelas.
   O Partido dos Trabalhadores, com todos os seus defeitos ( e eu mesmo nunca votei neles para presidente no primeiro turno ), pelo menos neste quesito tem um currículo digno de aplausos: pode-se questionar os reais objetivos, os meios adotados e o preço pago por isto, mas efetivamente diminuíram o abismo que separa nossos ricos e nossos pobres, combateram a mortalidade infantil e a miséria, puseram comida na mesa de muita gente que não tinha o que comer; mesmo na hora de cobrá-los por seus piores erros, desta virtude eu não vou esquecer: Cristo ensinou: "Dai a César o que é de César".

   Porém, justamente seu grande sucesso eleitoral erigiu um dos pilares de seu fracasso: 13 anos no poder significaram que toda uma geração que hoje tem vinte e poucos anos ou menos não lembra e não viu o Brasil pré-PT. Não são capazes de, pela própria vivência, avaliar o progresso feito; não tendo feito a árdua caminhada monte acima, abrem os olhos e começam a tatear o mundo, e veem apenas que o cume ainda está longe. Essa geração foi facilmente sequestrada pela onda mundial de uma Nova Direita de tendências neoliberais e, ocasionalmente, protofascista, e acha que todos os males da sociedade, mesmo aqueles que herdamos dos portugueses, são culpa do lulopetismo bolivariano gramscista marxista comunista da petralhada. Ouço-os repetir e insistir, convictos, que incompetência, medidas desastrosas e corrupção são monopólio da esquerda. Alimentados pela linda e equivocada arrogância da juventude, armados com os sofismas de YouTubers ignorantes ou interesseiros ( ou ambos ), eles fazem fila para pular no abismo do profundo arrependimento. Eu faço absoluta questão de ressaltar: a direita, o conservadorismo e o neoliberalismo são pautas perfeitamente legítimas, e a existência de grupos discordantes é saboroso alimento para qualquer democracia saudável; o que lamento é ver tudo fora dessa vertente ser classificado de comunismo, o progressismo e o trabalhismo serem renegados, demonizados, e todas as suas facetas serem ameaçadas de exclusão do debate. Essa é a maldição que paira sobre nós.
   Aos jovens curiosos, não é necessário acumular muitos anos de vida ou muitas páginas de leitura para perceber algo tão evidente: a própria cultura popular registrou o que era o Brasil antes do PT, e a internet disponibiliza alguns destes testemunhos: vejam, por exemplo, a trama, ou mesmo a própria abertura de "Vale Tudo", sucesso na virada de 1988 para 1989, talvez a última grande novela a comentar a sociedade de seu tempo: o enredo pegou a injustiça, corrupção e impunidade que já eram empurrados pela nossa goela abaixo e vomitou de volta na cara de nossa sociedade no horário nobre da Globo; O mesmo YouTube que te seduz com teorias da conspiração pode resgatar o emocionante desfile de carnaval da Beija-Flor de 1989 com o enredo "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia!", que marcou uma então criança com uma força que só encontrou rival 30 anos depois, com a emoção de ver a Tuiuti desfilar este ano. Ambas foram injustiçadas com vice-campeonatos, mas foram dois desfiles que honraram o Sambódromo e a arte que os concebeu. Não, meus jovens amigos; com todos os seus graves erros, não foi o PT que afundou o Titanic, matou Kennedy ou inaugurou a bagunça institucional no Brasil;
   Quem prestou atenção nas datas ou tem idade para lembrar, sabe que foi nesse clima que chegamos às eleições diretas para presidente de 1989, as primeiras em quase 30 anos. Naquela ocasião, escolhemos Collor: um político desconhecido que, de repente, virou o super-herói que iria resolver os problemas do país; alguém que não dava detalhes de seus planos nem comparecia a debates, mas mesmo assim ficou em primeiro lugar nas pesquisas e, mesmo sendo de um partido nanico, conseguiu chegar à presidência anunciando que ia criar um Brasil novo, enterrando a velha política corrupta com um jeito novo de fazer as coisas. Jovens amigos, isso soa familiar?

   Collor ensaiou algumas medidas neoliberais. Fernando Henrique Cardoso foi o próximo a tentar algo nesse sentido. Temer, com seus insensíveis Teto de Gastos e Reforma Trabalhista foi mais um. Todas as 3 tentativas redundaram em baixa popularidade, o que está longe de ser raro entre governantes que adotam esta linha. Pinochet, por exemplo, só conseguiu implantá-la no Chile porque era uma ditadura que não permitia dissidências. Em texto anterior, já mencionei que "40 anos depois, os britânicos já perceberam que as promessas neoliberais da Era Thatcher não se materializaram: 76% querem re-estatizar as ferrovias; 77% querem que o poder público reassuma a eletricidade e o gás; 83% pedem a volta do fornecimento estatal de água!". A eleição de Macri na Argentina foi saudada pelos neoliberais do Brasil, que agora colocam a crise em nosso vizinho-irmão na conta da "social-democracia".
   Pois o Brasil resolveu desta feita recolocar o neoliberalismo na presidência pelo voto. E não é um neoliberalismo qualquer: descartamos os Alckmins, os Meirelles e os Amoêdos; renegamos os genéricos e prestigiamos Bolsonaro e sua economia comandada por legítimos "Rapazes de Chicago". O próprio capitão já falou na necessidade de apoio dos governadores recém-eleitos para as inevitáveis medidas amargas; já falou em Reforma da Previdência e em auditoria nos programas sociais; nada de "neoliberalismo Nutella", vem aí o "neoliberalismo de raiz", com pedigree e tudo.

   Ai de nós... Ai de nós!

   Já escrevi um pouco em textos anteriores sobre como acredito que isto é um grande, grande equívoco. Numa oligarquia convicta de 500 anos, em meio a uma das mais graves crises de nossa história... Falar de neoliberalismo neste momento é se preocupar com guardanapos de linho bordados à mão quando está faltando comida! Como falar em "austeridade" em meio a uma crise com milhões de desempregados e subempregados? Como falar em "arrocho" quando já o temos, na prática, há anos? Como empurrar medidas neoliberais e falar em "menos Estado" em meio a isso tudo? E como pedir mais sacrifícios do povo enquanto vemos castas continuarem seu banquete? A Suprema Corte de nosso país, aqueles que nos julgam, não têm olhos para nossa realidade? Moram em outro continente? Não têm nem mesmo compaixão? Não estão vendo a crescente onda anti-establishment que cresce desde a Redemocratização, levantou fervura em 2013, não se satisfez com o Impeachment, elegeu Bolsonaro e muitos de seus apoiadores e continua borbulhando? A tendência é que Temer sancione o aumento para o STF. Alegando a necessidade de reposição salarial, o teto do funcionalismo, que já ganha mais de 33 salários mínimos ( isso sem contar os penduricalhos, como o famigerado auxílio-moradia ) pede, só de aumento, o equivalente a 6 vezes o valor com que o governo diz ser possível sustentar uma família de 4 pessoas ( isso para quem tem sorte, porque metade de nossa população tem renda menor que 1 salário mínimo ). É nesse país que se fala em "austeridade", "medidas amargas", "sacrifícios"? É nele que queremos ver os "Rapazes de Chicago" em ação?

   Continuo tentando dar uma chance ao governo Bolsonaro, continuo ficando cada vez mais preocupado, angustiado mesmo; Ele ainda nem assumiu e já nos custa os profissionais cubanos do "Mais Médicos", quando poderia muito bem ter esperado a posse e preparado um "plano b" antes de externar com tanta veemência sua insatisfação com os termos do mesmo: um grave problema, do tipo que pode literalmente custar vidas, criado por falas absolutamente gratuitas; E para os apoiadores do presidente eleito que comemoram o grande número de inscrições no edital criado às pressas, recomendo prudência: esperemos para ver a taxa de desistência e se os convocados realmente irão para as periferias das cidades e o interior do país, como se desejaria. Aliás, será que a suposta "doutrinação de esquerda" nas instituições de ensino é um problema realmente relevante? Porque se ela está acontecendo há 3 décadas, como argumentam, como Bolsonaro e uma enorme legião de aliados foi eleita? Ou a doutrinação está fracassando completamente ou ( e é nisto que creio ), ela nunca existiu como movimento organizado, como uma ação sistemática; Num país onde temos escolas sem teto nem banheiro, sem professores e com profissionais sem especialização, sem salário justo ou mesmo o antigo respeito da sociedade, será que devemos voltar nossa atenção para projetos como o "Escola Sem Partido"?
   Pensando no despreparo de Bolsonaro e de grande parte de quem o cerca e da bancada que o apoia, temendo ainda a cegueira ideológica de outra parcela deles, fico temeroso dos haraquiris diplomáticos ou das tesouras neoliberais da equipe econômica alcançarem de alguma forma nosso agronegócio. Estamos em meio a um déficit asfixiante nas contas públicas que se repete há anos, o único setor com saúde é o agronegócio, que praticamente está carregando o país nas costas. Mexer em qualquer incentivo ou subsídio neste momento seria uma tolice suicida da pior espécie, daquela que, mesmo finalmente percebida, não pode ser revertida com uma canetada: neste setor, as medidas levam meses para começar a dar frutos e render colheitas. Temo um governo de recuos desastrados, de tropeços e de corridas atabalhoadas para tentar remendar estes tropeços; Insisto: está muito difícil manter algum otimismo com o governo Bolsonaro... Infelizmente, escolhemos esta via quando fomos às ruas em 2013, e perdemos o último retorno com o fim do primeiro turno das eleições. Agora, é chorar o leite derramado e rezar de joelhos. Como diz o ditado japonês que gosto de citar: "se engolir veneno, lamba o prato!".

   ...E assim voltamos ao tema com que abri o texto: vejo uma "tempestade perfeita" se formar; Pedir mais sacrifícios aos mais sacrificados enquanto bancos alcançam lucros bilionários e nossas autoridades que já ostentam seu privilégio pedem aumento? Em meio a uma onda cada vez maior e mais preocupante de insatisfação e instabilidade, onda esta alimentada por mídias sociais, tanto as cultas, justificadas e moderadas quanto as ignorantes, hipócritas e agressivas, unânimes em seus alvos? Animal acuado ataca; O povo em desespero que pediu a cabeça de seu rei outrora aclamado e que abriu a porta para o estranho que se apresentou como a única opção, a última novidade não testada, o que fará se convencer-se que foi enganado mais uma vez, uma última vez?

   A atual conjuntura me lembra aquilo que leio sobre os antecedentes da Revolução Francesa, e por isso recordei-me da charge que encerra essa postagem, muito utilizada em textos sobre os antecedentes históricos do processo. A gravura retrata o povo, com sacrifício, carregando nas costas as classes privilegiadas. A legenda diz: "Devemos esperar que isto acabe logo"; Realmente, logo teríamos o povo tomando a Bastilha, e os anos de violenta turbulência que se seguiram à ruptura.
   O que nos aguarda no Brasil de 2019? Eu só consigo antever dificuldades... Estaria o povo brasileiro destinado a finalmente fazer a tal revolução preconizada por alguns? O que resultaria dela? E se Bolsonaro, fiel à sua formação, discurso e aliados, tentar responder qualquer tumulto com a mão pesada da autoridade? Como isso repercutiria internacionalmente na conjuntura de hoje? Ou será que, fiel à sua história, o rebanho de ovelhas dará um longo suspiro, resmungará algo e voltará sua atenção ao cotidiano pasto? O "gigante adormecido" mais uma vez vai acordar, beber água, fazer xixi e voltar para a cama? Seria o destino de Hy-Brasil em "As Aventuras de Erik, o Viking" (1989) um presságio? Todas as hipóteses acima me dão pesadelos... Companheiros de viagem, eu estou com medo de 2019!

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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Algumas Preocupações Concretas com o Governo Bolsonaro

   Passadas as eleições, agora só cabe a nós, brasileiros, torcer para que a gestão Bolsonaro tenha mais acertos do que tropeços. Ame-o ou rejeite-o, ele é nosso presidente, e qualquer democrata verdadeiro tem a obrigação de dar-lhe o benefício da dúvida. Infelizmente, quanto mais eu ouço, mais difícil fica ser otimista. Antevejo a possibilidade de grandes erros, alguns talvez irreparáveis, e só me é possível desejar ardentemente estar errado, rezar para ser surpreendido positivamente, e que, de alguma forma, as coisas acabem dando certo.

   Eu já disse que um governo Alckmin, Meirelles ou Amoêdo não seria do meu agrado, mas eu não teria temores tão primários quanto os que me inspiram a gestão que vai tomando forma. Bolsonaro, boa parte de sua cúpula e a enorme bancada eleita para o Congresso são, em grande parte, despreparados e inexperientes. O meu temor não vem pelo seu viés ideológico, do qual discordo, mas pelo fato de ver uma equipe de leigos tentar fazer uma cirurgia cardíaca. Poderiam até ser gente honesta e bem-intencionada, mas mesmo assim eu ainda escolheria médicos formados e bem treinados.

   Começando pelos grandes rumos, eu acho que uma política neoliberal de corte de gastos e diminuição do Estado, da qual eu já discordo, seria um grande, grande equívoco no Brasil de hoje. Sim, enfrentamos um déficit aterrador. Sim, precisamos combater a corrupção, que nos custa muito. Precisamos ainda mais evitar o desperdício com supersalários, privilégios, penduricalhos e aposentadorias fora da realidade em nossos três poderes; Acima de tudo isso, nosso verdadeiro e maior problema é crônico: má gestão, incompetente e ineficiente; precisamos, sim, diminuir a burocracia e ter mais transparência, ambas boas ferramentas para lidar com a questão, mas isso não está automaticamente ligado ao neoliberalismo econômico;

   O neoliberalismo econômico é uma pauta legítima, mas que no Brasil atual teria um efeito autodestrutivo. Somos, eu já disse, uma oligarquia convicta há 500 anos. Sempre, sempre favorecemos os amigos do rei, seja um beija-mão trocado por títulos de nobreza, seja na forma de doações de campanha trocadas por exonerações fiscais e subsídios. É perfeitamente legítimo e até salutar substituir este modelo por um de verdadeira livre concorrência, mas isso é um projeto de longo prazo, não algo que se faz atabalhoadamente e em meio a uma das maiores recessões que já experimentamos. Estão se preocupando com guardanapos de linho bordado para quem não tem comida;

   Permitam-me uma comparação bem rudimentar: poucas pessoas discordariam de que o ideal é os pais criarem filhos independentes, capazes de cuidarem de si mesmos; quem, porém, defenderia que recém-nascidos fossem deixados à própria sorte? É preciso guiar-lhes pela mão até o momento em que tenham condições de seguirem sozinhos; Não é justo um casal de vizinhos querer vir dizer que temos que deixar nossos filhos acharem seu próprio caminho quando os deles têm trinta anos e o nosso tem apenas dois. "Quem sabe a quentura da panela é a colher que mexe". Achei muito coerentes as palavras do economista Ha-Joon Chang quando esteve no Brasil no início deste ano:


Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e também como uma imposição a outros Estados. O nome do meu livro, "Chutando a escada", faz referência a um livro de um economista alemão do século XIX, Friedrich List, que foi exilado político nos Estados Unidos em 1820. Ele critica a Inglaterra por querer impor aos EUA e à Alemanha o livre comércio. Afinal, quando você olha para a história inglesa, eles usaram todo tipo de protecionismo para se tornar uma nação rica. A Inglaterra dizendo que países não podem usar o protecionismo é como alguém que após subir no topo de uma escada, chuta a escada para que outros não possam usá-la novamente.


   Parece faltar aos neoliberais brasileiros uma essencial pitada de pragmatismo; Você pode, por exemplo, ser a favor do fim do protecionismo, mas se seus parceiros o praticam e você não, estará expondo seu país a um verdadeiro linchamento em praça pública. Até mesmo Olavo de Carvalho, talvez o mais influente pensador a traduzir para o brasileiro a Nova Direita que se populariza mundialmente, tem opinião similar à minha nesta questão*. O Brasil é basicamente um exportador de commodities primárias, o que sempre nos deixa vulneráveis ( lembram-se do que aconteceu com nossa cana-de-açúcar e nosso café? ), e atualmente passamos pelo que talvez seja a maior desindustrialização da história da humanidade: a participação do setor na nossa produção, que já foi de mais de , diminuiu para pouco mais de 10% e continua caindo. Não fique escravo de alguma teoria econômica da qual você seja adepto! Este é o momento de diminuir subsídios e cortar exonerações?

   Quanto ao agronegócio, digam o que quiserem, é a tábua de salvação que vem impedindo o Brasil de se afundar ainda mais miseravelmente. Para o bem e para o mal, cada vez mais encarnamos o papel de "celeiro do mundo". Podemos, felizmente, avançar ainda mais no setor; Por mais urbano que eu, pessoalmente, seja, nunca podemos esquecer que o campo vive sem a cidade, mas a cidade não sobrevive sem o campo; pois eu proponho que adotar, na atual conjuntura, uma política neoliberal de diminuir os incentivos que temos, seria jogar gasolina no incêndio, verdadeiramente uma tentativa de suicídio;

   Temos ainda a questão ambiental. Uma riqueza realmente única e, uma vez destruída, irrecuperável. Já perdemos nosso Museu Nacional este ano, vamos também deixar a Amazônia consumir-se? O que nos resta de Mata Atlântica? O que ainda temos de nossa preciosa e colorida cultura indígena? Não valorizar esta herança é cuspir na cara de quem nos pariu e amamentou. Lembro-me da frase atribuída ao Greenpeace que vi numa faixa em minha escola em meio à expectativa pela Eco 92, e que nunca me deixou:

Quando a última árvore tiver caído,
quando o último rio tiver secado,
quando o último peixe for pescado,
aí vocês vão se dar conta que dinheiro não se come;

   Voltamos então, inexoravelmente, à questão do despreparo e inexperiência de Bolsonaro e sua equipe: falar em fundir os dois ministérios, a princípio antagônicos, já é um erro; mesmo que decidissem priorizar o agronegócio, poderiam ao menos tentar manter as aparências para não prejudicar nossas exportações com embargos de países preocupados com o meio ambiente; o mero anúncio desta medida equivocada já colocou todas as decisões do futuro presidente sobre o tema sob os holofotes do escrutínio dos ambientalistas de todo o planeta; e como se não bastasse a gafe em si, ela se repete: a fusão foi aventada durante a campanha, mediante críticas, houve um recuo. Novamente proposta após a eleição, foi novamente criticada, e novamente fala-se em recuo; Isso não é bom para o país; Estas falhas operacionais primárias também se verificam na simples comunicação com a imprensa, numa avalanche de especulações e desmentidos. Tratar a grande mídia tradicional como inimiga já de saída não pode ajudar a resolver a questão, e ainda tem cheiro de autoritarismo. Entendem porque tenho dificuldade de justificar para mim mesmo qualquer otimismo?
   Pois se o próprio FMI já não teme fazer críticas ao modelo neoliberal, porque ele poderia piorar a concentração de renda e valorizar o capital financeiro especulativo em detrimento do capital produtivo e dos investimentos de médio e longo prazo;
   Ainda vejo muita gente insistindo na falácia de que privatizar é uma solução mágica; Que país entrega a outrem as decisões sobre suas riquezas estratégicas sem pagar um alto preço por isso? O Brasil precisa refletir e agir prudentemente com seu petróleo, a aquisição de grandes extensões de terra por grupos estrangeiros, Amazônia, Embraer, o SGDC-1 ( nosso 1º satélite geoestacionário ), a base de Alcântara, o setor elétrico... Vale a pena trocar estes coringas de nossos netos por um pouco de dinheiro hoje? Depois de 40 anos, o povo britânico viu que as promessas neoliberais da era Thatcher não se materializaram: 76% querem reestatizar as ferrovias; 77% defendem a retomada da eletricidade e do gás; 83% desejam a volta do fornecimento de água estatal!
   Aqui mesmo, em nosso Brasil: A Vale foi premonitória em tirar o "Rio Doce" do nome, já que a tragédia de Mariana, que ela permitiu que ocorresse e pela qual ainda não se redimiu, matou o rio que a batizara; A telefonia e a internet no Brasil, apesar do invejável grande mercado, não oferecem um bom serviço, e mesmo assim as tarifas estão entre as mais caras do mundo; Nossas agências reguladoras são ocupadas por ex-executivos do setor que deveriam fiscalizar; Em meio a uma das maiores crises de nossa história e uma inflação de 4,5% ao ano, bancos chegaram a praticar juros de mais de 400% em certas modalidades - isso legalmente! - e agora há quem comemore que tenham baixado para ( ainda incivilizados ) 280%. Insisto: em meio à nossa gravíssima crise, o lucro dos grandes bancos subiu 21% em 2017, chegando a quase 65 bilhões. Num país em que 27,7% da população está sem emprego ou subempregada, em que metade da população vive com menos de um salário mínimo, em que os 6 cidadãos ( não são 6%; são seis indivíduos! ) mais ricos detém a mesma riqueza que esta metade mais pobre de 100 milhões de pessoas, é nesse país que se fala em neoliberalismo, em menos interferência do Estado na economia, em desregulamentação? Num país onde ¾ das pessoas não têm domínio pleno da leitura e das operações matemáticas, onde escolas públicas às vezes não ensinam nem mesmo a ler e escrever; neste país onde o filho de ajudante de pedreiro é ajudante de pedreiro, a filha de doméstica é doméstica, o filho de médico é médico e o filho de juiz é juiz, é neste país que querem falar em meritocracia? Não estariam querendo instalar internet em um feudo medieval? Amigos, uma pitada de pragmatismo! Evoco mais uma vez Lacordaire: "Entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a liberdade que oprime, e a lei que liberta"!

   Nem tanto ao mar, nem tanto à terra; Nem Estado mínimo, nem Estado máximo: Estado necessário, como diria Ciro Gomes. Em pleno ano da graça de 2018, metade da população brasileira não tem saneamento básico. O empreendedorismo individual resolve esse problema? A iniciativa privada? Veja os grandes escândalos mundiais da última década: Enron, Lehman Brothers, Bernie Madoff... todas instituições privadas. Novamente relembro-lhes de exemplos aqui mesmo do Brasil: A JBS, a Odebrecht, a OAS... são estatais? Quem tem olhos que veja, quem tem ouvidos que ouça! Não se deixe enganar pelo maniqueísmo, pelas frases feitas! Fuja das teorias cegas que ignoram a realidade! Cuidado para não escolher soluções rápidas e erradas! Prudência! Moderação! Diálogo! "Devagar com o andor, que o santo é de barro!". Afinal, são mais de 200 milhões de destinos sobre a mesa.

   Eu também tenho críticas à postura beligerante e intolerante de Bolsonaro e parte de sua cúpula. Acho que mesmo entre seus eleitores, há quem compartilhasse de minha esperança de que fosse apenas retórica de campanha. Ainda não vemos sinais de moderação, o que é preocupante. Só para lembrar, somos o país que já teve um Esquadrão da Morte; um país que ainda não sentou para conversar sobre o que realmente significou a ditadura militar instaurada em 1964, uma omissão que voltou para assombrar-nos; o país que mais mata suas minorias sexuais, o país em que há 130 anos ainda era permitido por lei que um ser humano fosse dono de outro; um presidente com tal postura incisiva pode abrir uma sinistra caixa de Pandora, soltando as amarras de uma legião de candidatos a "guarda da esquina", conforme temidos por Pedro Aleixo.

   Admirador de Trump, Bolsonaro acaba tomando uma postura de alinhamento aos americanos que não me agrada por seu tom servil. Eu mesmo já mencionei a grande admiração que tenho pelos nossos irmãos ao norte, sua história, sua cultura, e o enorme e sincero carinho que tenho por seu povo, mas um candidato à presidência de um país, nesta condição, bater continência para a bandeira de outro e puxar coro de "USA! USA!" não é uma boa postura. Comunicar-se pelo Twitter é simpático, mas não deve ser o principal canal de comunicação de um líder, e deve-se tomar cuidado com falas impulsivas: a palavra de um presidente tem peso: dizer e desmentir, declarar e recuar, por si só, podem afetar as questões de Estado.

   Entre as muitas críticas de Bolsonaro ao PT, o capitão acusou-o de uma política externa com viés ideológico; Nosso presidente eleito que me perdoe, mas vendo-o falar, eu só posso concluir que ele faz o mesmo, simplesmente trocando os sinais. Em seu alinhamento com o governo americano, ele vai cometer a loucura de queimar as pontes que com tanto esforço construímos?

   Eu já fico angustiado de pensar em Bolsonaro, que não vai nem a debates e sabatinas porque sabe que não se sairá bem, indo negociar algum interesse nacional com um Trump. Imagino o clima desconfortável de alguém com suas posições e histórico de opiniões indo encontrar-se com uma Merkel. Como se sairá no tradicional discurso do Brasil na abertura da Assembleia Geral da ONU? Como se não bastasse, vejo-o colocar minas terrestres em seu próprio caminho:

   Trump está esboçando uma guerra comercial com a China. É sábio nós nos metermos nesta história, comprando uma briga que não é nossa com um de nossos grandes parceiros comerciais? Um editorial na versão em língua inglesa do jornal estatal, o China Daily, já demonstrou a irritação de Beijing com a postura de nosso presidente eleito, e avisou Bolsonaro que adotar uma postura de alinhamento com Trump e não respeitar os acordos com a China pode ser danoso à economia brasileira, que está tentando sair de uma grave recessão.

   Bolsonaro reiterou sua promessa de campanha de que pretende transferir nossa embaixada em Israel para Jerusalém, seguindo o exemplo dos Estados Unidos e da Guatemala ( O Paraguai seria o terceiro, mas acabou revertendo a decisão ). Bolsonaro também está cercado de gente pró-Israel, incluindo Joice Hasselmann e boa parte dos líderes evangélicos. Lamento profundamente este erro: primeiramente, porque ele mancha nosso histórico diplomático de buscar o diálogo e a conciliação; Perderemos nossa invejável posição de mediador neutro: somos nós que estamos mexendo as peças no tabuleiro, nós que estamos desafiando o status quo. E pra quê? Não íamos fazer uma política externa sem viés ideológico? A qual interesse nacional prático isto serve? É um marco verdadeiramente trágico, estou torcendo para que o presidente eleito recue...
   Num segundo momento, isso pode trazer complicações econômicas, na forma de sanções por países árabes: nossa exportação de frango pode ser bastante prejudicada. Temos ainda a possibilidade de virarmos alvo de retaliações violentas, de terrorismo. Tudo por um inepto capricho ideológico / religioso... Mais uma vez o despreparo de nosso presidente e de sua cúpula me deixa preocupado.

   Bolsonaro também dá a entender que continuará, como Temer, virando as costas para a Venezuela, em mais uma demonstração de falta de visão geopolítica e estratégica de sua equipe. Independentemente de sua opinião sobre o regime Maduro, não poderíamos fazer muito bem com uma aproximação? Não foi o que os Estados Unidos conseguiram fazer com nossos irmãos chineses ao longo dos anos 1970, com a visita de Nixon, notório anticomunista, à China de Mao, partidas de pingue-pongue e, finalmente, gradual abertura do mercado sob Deng Xiaoping? Pois virar as costas para nossos irmãos neste momento de dificuldade, além de uma vergonhosa falta de solidariedade, só agravará sua crise interna, o que acaba derramando-se em mais problemas e conflitos e até em lamentáveis incidentes de xenofobia em nossa própria e desamparada Roraima. E não esqueçamos a geopolítica: precisando de ajuda, abandonado por nós, Maduro volta-se agora para China e Rússia, trazendo-os para nossa vizinhança. Em contrapartida, Trump flerta com a Colômbia, vizinha e rival da Venezuela, acenando com sua entrada na OTAN, tudo isto bem aqui ao lado; É sábio continuarmos de costas enquanto estas forças se mexem no tabuleiro em que estamos? Obrigam-me a mais uma vez apelar para uma pitada de pragmatismo.

   Isto é só para começo de conversa; também escuto temerosas propostas em outras áreas: Reforma da Previdência? Precisamos urgentemente de uma, mas devemos pedir ao duque que abra mão de um de seus castelos antes de pedir ao camponês que entregue metade de seu pão; Criacionismo? Sim, na aula de filosofia; Educação Sexual? Sim, de forma adequada à faixa etária, para evitar doenças, gravidez precoce e pedofilia; "Escola sem Partido"? Escolas Militares? Ampliar as excludentes de ilicitude? Facilitar o porte de armas? Priorizar o enfrentamento na ponta final, no varejo, em detrimento da inteligência? O Coliseu está pedindo mais sangue?


   Mesmo assombrado por tantas inquietações, inclusive as de ordem pessoal, continuo rezando pelo nosso presidente eleito; Que minhas preocupações não passem de alarmismo, que os problemas não se concretizem, que tenhamos uma pacificação nacional, e que Deus conduza Bolsonaro. Por favor...



* Olavo de Carvalho | Protecionismo
 https://www.youtube.com/watch?v=Wo_nXzS5Gpc


Fontes: 

A lúcida entrevista de Ha-Joon Chang ao "El País":
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/05/economia/1515177346_780498.html

Algumas objeções ao neoliberalismo, por pesquisadores do FMI (em inglês): 
https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/pdf/ostry.pdf

Artigos em jornais ingleses questionando as privatizações no país (em inglês):
https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/jan/09/nationalise-rail-gas-water-privately-owned

https://www.independent.co.uk/voices/privatisation-failure-energy-water-railways-public-services-take-back-control-labour-john-mcdonnell-a7775216.html

sábado, 27 de outubro de 2018

Carreata Pró-Bolsonaro Vai Passar. Estes Dias Também Passarão...

   Tive que sair para comprar algumas coisas, e acabei dando de cara com a concentração para uma carreata pró-Bolsonaro. Já havia filas de carros, muitas pessoas: senhoras, homens de barba, mulheres com a sobrancelha feita, como manda a moda... gente normal. Perfeitamente normal. Vi algumas crianças, também. Boa parte delas de amarelo, algumas vestindo camisas estampadas com a efígie do candidato ou dizeres como "Bolsonaro Presidente" ou "O Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos". Alguns carregavam bandeiras do Brasil; fitas, balões e adesivos ostentando o verde-amarelo, nosso pendão e / ou a imagem e o número do capitão também enfeitavam os carros.
   Tenho o hábito de guardar material eleitoral dos candidatos, um souvenir de cada ano de eleição. Neste 2018, em que as regras de financiamento de campanha mudaram tanto, não tinha conseguido nada no 1º turno. Aproximei-me de 3 senhoras e perguntei se elas tinham algum santinho ou panfleto para me dar. Elas disseram que "não, que a campanha é pobre, não tem dinheiro", mas sugeriram que eu tentasse com um grupo próximo. Ali, em meio a carros de mala aberta vendendo camisetas, bandeiras e coisas assim, encontrei os prováveis organizadores, com quem consegui apenas alguns adesivos circulares que exibiam um Bolsonaro sorridente, seu nome e seu número. Comprei de um homem dois balões em forma de bastão com o nome e o número do candidato; são pra serem batidos um contra o outro, fazendo barulho. R$ 5 o par.
   Pensei na possibilidade de puxar assunto com alguém, de tentar argumentar que aquela não era uma boa escolha. Porém, a esta altura, eu já estava bem desanimado. É cansativo lutar morro acima, especialmente em uma batalha que já foi combatida, ainda mais contra pessoas comuns, contra seus irmãos; Enquanto eu saía com a cartela na mão, uma menina de uns onze anos, cabelo comprido, veio sorridente oferecer-me adesivos. Devolvi o sorriso e agradeci, enquanto explicava que já tinha os meus. E fiquei muito triste. Tive compaixão.
   Imaginei estas pessoas da onda Bolsonaro tendo que testemunhá-la desabar pesadamente sobre a areia. Compadeci-me de sua decepção. Pensei nos jovens bolsominions idealistas, que vão ter que ver suas esperanças serem linchadas pela realidade, este rito tão inevitável da experiência de vida e do amadurecimento. E só fiquei triste. Só triste.
   Por um momento, temi os resultados desse debacle. Panelas batendo? Manifestações? Mais um impeachment, como em 1992 e em 2016? Mais um golpe, como em 1964 e em 2016?
   Não ( tentei consolar-me como se faz com as crianças, mentindo que tudo ficará bem ), a gente vai rir pra não chorar, a gente vai engolir a realidade com um copo d'água, e a gente vai levando; O brasileiro sempre vai levando. O GIGANTE SE LEVANTA! Bebe água, faz xixi e volta pra cama. Somos o "País do Futuro", e até onde a vista alcança, assim vamos continuar sendo. Quem sabe na próxima? Talvez em 2022...

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Algumas Reflexões sobre a Iminente Vitória de Bolsonaro

    Depois do coerente e compreensível desabafo de Cid Gomes, ontem foi a vez de Mano Brown servir algumas críticas construtivas ao PT em seu próprio banquete. Lula e o Partido dos Trabalhadores têm, sim, um relevante papel na ascensão de Bolsonaro. "Quem pariu Mateus que o embale!". Queriam churrasco, bateram o pé, recusaram o suculento bife oferecido por Ciro, vão ter que engolir o chucrute do Bolsonaro;
    Na sofreguidão de preservar a hegemonia do PT sobre a esquerda, não abriram mão de uma candidatura própria, o que foi um erro; levaram a história de "Lula é candidato" até o limite e, não satisfeitos, se deram ao trabalho de sabotar Ciro Gomes, o único candidato do campo progressista que as pesquisas consistentemente mostravam ter boas chances de vencer Bolsonaro. 
   O PT sabia que ainda tinha fôlego para chegar ao 2º turno, mas que teria, então, um páreo mais difícil. Talvez eles contassem com a rejeição a Bolsonaro, que levaria fatalmente a uma frente ampla de seus críticos quando chegássemos ao derradeiro embate; a propaganda eleitoral deveria derreter uma boa parcela do anti-petismo. Bolsonaro é despreparado e não fala bem, nos debates ele seria pisado e prejudicado, iria perder eleitores. No decorrer da campanha, talvez fizesse ou dissesse mais alguma grande bobagem... De qualquer forma, era uma aposta arriscada; se em 2014, com Lula solto e fazendo campanha, Dilma tinha ganho raspando, imaginem 4 anos, mais suspeitas, mais delações, muitas panelas e patos amarelos, um impeachment e um Lula preso depois? Ainda em julho, ouvi na imprensa o próprio Ciro Gomes comparar essa estratégia com "o PT chamando o Brasil para dar um cavalo-de-pau à beira do precipício". Pois é... Lula, seu partido e, de quebra, o Brasil terão de amargar as consequências.
   O destino, afinal, nunca mostra todas as suas cartas, e veio a facada em Jair Bolsonaro. Se o atentado foi uma inaceitável violência, uma tragédia chocante - e nunca podemos esquecer que por trás da figura pública há um ser humano - em termos políticos foi como ganhar na loto: A instintiva compaixão inspirada derreteu parte do sentimento de rejeição; o candidato que tinha 8 segundos no horário eleitoral passou a ter horas e horas diárias de cobertura jornalística, os veículos brigando por informações e declarações exclusivas; Os debates que deveriam "desmascarar" Bolsonaro não aconteceram. Primeiro, por questões médicas; depois, por questões estratégicas; Afinal, disse o capitão, "quem conversa com poste é bêbado". Agora, a cúpula de sua campanha alega ter descoberto planos de um novo atentado contra o candidato por parte de uma facção criminosa, o que seria mais uma justificativa - porém ainda não revelou detalhes; A tal Frente Ampla pela Democracia em oposição a Bolsonaro não vingou: O PT só conseguiu algumas manifestações de "apoio crítico", algumas declarações ambíguas, alguns flertes desconfiados; mesmo esses, não raro guarnecidos com contundentes críticas. 

   Por enquanto, só me é dada a opção de assistir ao desenrolar dos inescrutáveis e inevitáveis acontecimentos futuros. O Brasil tomou banho, vestiu sua melhor roupa, passou perfume e, sorriso alegre no rosto, está acenando vigorosamente para a multidão enquanto embarca na viagem inaugural do Titanic... De novo!

   Bem... Como dizem os japoneses, "Se engolir veneno, lamba o prato"...

   Somos confrontados, assim, com este 2º turno. Decepcionado, propus no Twitter, aos biólogos, uma ousada teoria: e se os brasileiros, na verdade, forem uma variedade não identificada de lêmingues? Pedi-lhes que não fossem preconceituosos, afinal às vezes a verdade é tão óbvia que ninguém vê. Indaguei também se já havia alguém com espírito empreendedor fazendo camisetas "A Culpa Não É Minha. Eu Votei no Ciro!". 

    Ainda assim, tendo que escolher entre o Brasil levar um baita murro na cara (Haddad) ou três tiros de fuzil (Bolsonaro), próximo domingo eu vou de "murro na cara". Eu detestaria um governo Alckmin, Meirelles ou Amoêdo, mas faria força pra engolir com um copo d'água: faz parte do jogo... A candidatura Bolsonaro e o que ela representa, entretanto, cruzam, para mim, um limite inaceitável, e contra ele eu votaria até num gato atropelado. Acho que até no PSDB! 

   Fico receoso em ver, também, a enorme bancada eleita pela onda Bolsonaro. Reitero: não pelo viés ideológico, do qual discordo: a existência de opositores alimenta a democracia; refiro-me à verdadeira legião de gente sem qualquer preparo ou experiência. É comum pessoas famosas serem eleitas, às vezes sem ter nada mais que justifique os votos recebidos: sempre tivemos apresentadores de televisão, cantores, jogadores de futebol, atrizes, humoristas, etc... entre nossos legisladores. Ultimamente, YouTubers e os ditos digital influencers estão começando a entrar para o clube. Alguns com algum conteúdo para mostrar; outros, sem nada de mais substância. Mesmo esses mais insípidos não podiam fazer muito mal, porquanto diluídos entre os números totais. Essa nova bancada, porém, tem um potencial destrutivo muito maior. Já que não adianta chorar o leite derramado, desenvolvi uma saudável curiosidade mórbida; o que essa turma vai aprontar? Como vai reagir quando o "mito", inevitavelmente, mostrar-se humano e falível? E os televangelistas que declararam apoio a Bolsonaro? Escaparão ilesos deste estigma? Quanto a mim, pretendo exilar-me aqui mesmo, no Brasil. Vai ser estranho ter tal experiência em meu próprio país... Espero que seja menos terrível do que temo, e que possamos amadurecer e evoluir durante a caminhada. "Também isto passará"...
   Quanto mais eu reflito, mais temores me brotam: Imagino o Bolsonaro, que não comparece a debates e sabatinas, indo discutir algum interesse do Brasil com o Trump. Imaginem a saia justa de alguém com seu currículo de posicionamentos e declarações encontrando-se com uma Merkel. Bolsonaro fazendo o tradicional discurso de abertura da Assembleia da ONU... Esses pensamentos chegam a dar calafrios.
   As elites brasileiras, como de costume, se adaptam. Estou certo de que prefeririam alguém, assim... - como posso dizer? - mais refinado... Porém, "vão-se os anéis e ficam os dedos", certo? Vale qualquer um contra os comunistas do PT, certo? Para o Brazil não virar uma Venezuela, não é? "Nossa bandeira jamais será vermelha", etc... Se algum dia tiver a oportunidade, pergunte a qualquer ricaço alemão do final dos anos 1920 e ele poderá explicar a você como essa lógica funciona. Pois será que esse escândalo do WhatsApp e boatos de ilegalidades na campanha não seriam uma espécie de "seguro"? Uma "carta na manga" para pressionar ou, caso mostre-se necessário, derrubar o capitão?
   Não deixa de ser irônico ver que a turma que hoje faz a Bolsa subir e o dólar cair enquanto grita “mito!” para Bolsonaro, é a mesma que dizia que Lula era ignorante, despreparado e tosco; que tinha língua presa e que não estava à altura do cargo...

   Gostaria, também, de registrar duas reflexões que andam regressando insistentemente a meus pensamentos: 

   A primeira é que, embora repudiando a candidatura Bolsonaro e achando que o governo dele vai ser medíocre ( isso na melhor hipótese ), mesmo assim dói muito no coração imaginar uma legião de jovens bolsominions idealistas tendo suas esperanças traídas... Companheiros de viagem, mesmo sob o que virá, não desistam da política! Continuem estudando, amadurecendo e participando do debate sobre o país!

   A segunda é que, se Bolsonaro vencer e cumprir o que promete, seus eleitores serão eternamente cobrados em suas consciências por sua parcela de culpa no desenlace. Não poderão nem mesmo dizer que mentiram para eles, que foram enganados, ou consolarem-se com o argumento de que não foram avisados; Ironicamente, o próprio Bolsonaro pode ser vítima desta inevitável confrontação consigo mesmo.

   Como eu desejo ardentemente estar errado! Eu rezo por isso! Para que os sintomas e sinais que se sucedem, ao fim, tenham sido um grande engodo, uma brincadeira de mau gosto, um alarme falso!

   ...E entre histórias de ataques violentos por parte de eleitores de Bolsonaro, de tais ataques serem forjados, de factóides esdrúxulos e de ameaças à Constituição, às instituições e ao STF sendo ditas e desditas e desmentidas, desorientados todos num labirinto de notícias preocupantes... Nas imortais palavras de José Maria Eymael, aquele resiliente "democrata cristão": "Sinais! Fortes sinais!". 

   Por fim, recordo-me ainda das famigeradas e, hoje compreendo, proféticas palavras de Dilma Rousseff: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder; vai todo mundo perder!".

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Bolsonaro: How Did We Brazilians Come to This? - An Introduction for People from another Time and / or Place

Introduction


   People are always looking for that "great new thing" that is going to make their life better. It's a manifestation of our survival instinct, just like curiosity and getting bored easily. That attitude has brought us civilization, the arts, culture... It is present in beautiful music, the printing press and the polio vaccine. Down here for us average individuals, it could mean having a nice meal, watching the latest episode of our favorite tv series, changing your hairstyle or getting that new cell phone.
   We also function that way as a society, itself an outgrowth of that instinct; and if society has brought us the idea of fraternity and the concept of justice, it also had horrid side effects, like slavery and religious wars. We are always, always looking for that "great new thing", for better and for worse. A little over a hundred years ago, many thought it was communism. A couple of decades later, it seemed that fascism could be it. The years of revolution, be it 1789, 1848 or 1968, are also about that unfulfillable promise. And here we go again...
   "Brazil is not for beginners", and we Brazilians are the first to admit it, whether amid laughter or painful disappointment. We have only 500 years of recorded history, and although every single nation can boast dramatic, heroic, tragic and inspiring events, Brazil does seem to be prone to "deus ex machina" developments, and to have a knack for hard-to-swallow plot twists. More than our fair share. Who knows, perhaps that explains why novelas - that's "soap operas", for the uninitiated - are our national pastime. I myself have lived through, and personally witnessed a handful of those plot twists.
   And yet...

   Although I can come up with explanations for the Bolsonaro phenomenon, some of them very reasonable and well thought-out - that is what this article is about, after all - I admit I did not see this coming. Not in Brazil. It is so - for lack of a better word - foreign... We are not like this. This is not us. And I'm not talking about an all-too-common, silly idea of how wonderful your own people are; This really isn't at all like us. The only time I felt similarly about a turn of events was when I was considering the military dictatorship installed in 1964. So perhaps they're connected. Bolsonaro says they are...


A Little Background


   I grew up in the 1980's, during redemocratization. I was surrounded by and bathed in that mood, and it has certainly helped shape the person I've become. I wasn't old enough to vote, but I was there, watching, in 1989, when we elected our president for the first time in 30 years.
   Remember when I talked about people always restlessly looking for new things? Well you see, in times of crisis, that anxiety grows exponentially. And boy, were we in trouble in the late 1980's... Not only did we have to come to grips with democracy, we also had to deal with an economy in shreds - hyperinflation meant we had gone through 3 different currencies in four years. Freedom of the press meant we now had the option of "corruption scandals" added to the menu of our newspapers and nightly news broadcasts, and were we fed up with those! So whom did we choose? Cue the suspense drum roll: Fernando Collor...

   Now, I don't want to be shallow and hastily pass judgment on someone, so I will keep it at "he was not the right man for the job". Brazil is huge, continental. Some 200 million people live here. We have been an oligarchy for 5 centuries, and our extreme economic inequality is medieval and pornographic. We are a melting pot, and in this country you can see for yourself that, indeed, "everything moves in all directions".
   And who was Collor, the man we chose for the job? An unknown politician who suddenly became the superhero who could fix all our problems overnight. He never said much about his plans and didn't take part in debates, and yet he led the polls throughout the campaign. He spoke a language of slogans and truisms. But he looked good on our 12" screens while riding that glamorous jet ski and displaying his karate skills, and so we went along...
   One day after he took office, he launched a plan which involved a new currency and - cue that drum roll again - freezing virtually all bank accounts. I kid you not. It happened. I was there.
   To make a long story short, the plan didn't work, hyperinflation came back with a vengeance and he was impeached in 1992 on corruption charges. We were a pile of debris and had to start over from scratch.
   In 1994, yet another economic plan, yet another currency. At first, the new "Real" currency curtailed inflation. Then it managed to do it for one more month. Then another, then another... and then it seemed like it might have actually worked. And it has pulled that trick for 25 years now. No wonder the Minister of Economy who oversaw its implementation was elected president that year, and re-elected in 1998. Then, in 2002, a real novelty act got its turn;
   Lula looked like an ordinary man, like someone you might buy your bread from. He was short and had a beard, and got his start in politics as a union leader. He didn't have much in terms of formal education, which meant he made grammar mistakes when he spoke, and he made them with a lisp; and yet, he had that intangible quality that made you listen to him speak, and remember him after he was done speaking.
   Lula was the one Collor defeated in 1989 - how could he match the tall, well-educated athlete? He was also defeated in 1994 and 1998. But in 2002, Brazilians were unhappy. When the time came to choose between the comfort of familiarity or the hope in that "great new thing", Brazilians took the leap, and Lula got his ticket to the Palácio do Planalto in Brasilia.
   Was it going to be disastrous? Were we on our way to communism? The elites in Brazil still worry about that a lot, you know? I guess it has to do with the fact we were so busy with all that was going on during redemocratization that we never took the time to sit and talk about what the dictatorship had really meant, including the fact people were tortured and killed for no real reason. We never got around to try and punish those torturers. The 1979 Amnesty Law was all-inclusive, and basically meant we would leave things at that and get on with our lives.
   Getting back to Lula, he actually managed to run the country. Amazingly, the sun kept rising morning after morning. I think all of that went to his head, because - and I don't know how he got the nerve... - he dared tackle Brazil's social inequality - one of our time-honored traditions, diligently passed on from generation to generation. In a country where, even today, the six richest people - not the richest 6%; I'm talking about six individuals - own as much wealth as the poorest half - one hundred million citizens? Lula actually took the trouble to try and do something. He didn't have to, you know? It's not like it's expected from Brazilian presidents...
   Say what you will, accuse him of doing it merely for electoral purposes, but that man actually put food on the table of people who did not have it, and for that I wholeheartedly thank him; I probably do not have to tell you about it. If you're reading this, chances are you have heard a thing or two about Lula.

The Descent


   All good things must come to an end. It was too good to last. Especially in Brazil, it was...

   A major corruption scandal at the end of Lula's first term: his party was buying the votes of congressmen by means of an allowance to participants in the scheme. Lula lost many key advisors and the party lost a chunk of its support as consequence: some people resigned, some got arrested, some failed to win re-election.
   Lula himself was granted a second term in 2006. That's the legal limit, but gratitude towards him also got his anointed successor, Dilma Rousseff, the presidency in 2010.
   Despite their victory, the country had gone through another "loss of innocence" process. Things were not going so well anymore, and we could never look at the Worker's Party in the same light again. Think Barbra Streisand's "The Way We Were"...
   On the other hand, in 2006 we had stumbled upon pre-salt oil. That was it! We found "The Golden Ticket"! Brazil is often called "The Country of the Future" ( to which we jokingly add, "and always will remain so" ), but maybe this time... maybe this time...
   "No way, José!". Not in Brazil! The dreaded "Curse of Oil" caught up with us faster than you can say "Bob's your uncle"! The country was not going well, Dilma was not doing a good job. The dream had gone sour, and Operation Car Wash had unveiled yet another gargantuan corruption scandal involving Petrobras, Brazil's all-important oil corporation. Sergio Moro, the federal judge who headed Operation Car Wash, became the face of the fight against corruption, the man of the hour, his face slapped on every magazine cover, his public appearances reported on the news... A National Hero!
   In 2013, a local bus fare increase in São Paulo sparked protests. Police brutality was reported. That was the tipping point.
   Similar demonstrations had already taken place in other cities. It is not an uncommon or hard-to-understand phenomenon. Basically every country experiences it at one point or another. Brazilians are not immune, and any of us could relate to this feeling to some extent. "How dare they?" ( they are to blame for all this, you know? ) "We have so little, and we pay so much in taxes! Public services have always failed us miserably: education, health, sanitation, crime fighting, tansportation... nothing works properly! I think it never has! They have their huge salaries, privileges and luxurious lives paid for with our money! And still they rob us! Corruption is a plague of biblical proportions, and yet they revel in it! And now they want to increase the bus fare? They want yet more money from us? How dare they?". The disillusionment, the indignation, the solidarity... they fueled more and bigger protests, and they spread. Huge crowds. Dissatisfaction. In the instinctive, immortal words of Howard Beale: "I'm mad as hell, and I'm not gonna take this anymore!". The media covered it. And it kept growing and spreading. Thousands; tens of thousands; but they still couldn't find or express a single voice. It was an outpouring of anger, as yet not directed at any single target. And thus we arrive at the presidential elections of 2014...

   By 2014, basically half the country hated the Worker's Party, and blamed them for their problems. After 3 terms, most major issues had not been worked out or visibly improved upon. At least that is how things were perceived. After 12 years in power, even the social strides were, by now, taken for granted, and a whole generation had grown up without any parameter to compare the Worker's Party's government to; it was all they had known, and it was all-too-easy to blame them for what was wrong in the country. The global rise of a New Right and its neoliberal gospel swiftly took hold of this generation, and made it even easier to blame the left-wing Worker's Party and their hopelessly left-wing policies for the country's woes; All of them. Even the historical ones. Even corruption, which somehow became the monopoly of leftist governments. Fascism was reassessed as a left-wing movement. It is all too obvious, really, when you think about it; After all, Hitler's Party was called the National SOCIALIST German Worker's Party, wasn't it? Scholars deny it because they are all left-wing frauds trying to implement Gramsci's cultural hegemony. This is no Conspiracy Theory - that's what they want you to believe ( and I've already told you that they are to blame for all this ). We have read all about it on Facebook and WhatsApp, and have heard it from YouTubers who have the guts to slip through communist censorship to tell us the truth. Kennedy's assassination, Watergate, "The X-Files", "The Matrix", "V for Vendetta" and "Harry Potter" and so many others, over and over, have taught the world not to trust their own government, or anyone for that matter, and that we are merely unaware of just how special we actually are; "the chosen ones", who have the knowledge, mission, special powers and destiny to awaken mankind from its deceitful slumber of ignorance, guide it to Shangri-La, get the girl in the end, and live happily ever after... And don't you dare listen to anyone who tells you it isn't so! They're either blinded by propaganda, or worse - they could be communists themselves! And thus the New Right and their neoliberal agenda became the "next great thing"...
   The fact we did not come to terms with our recent foray into dictatorship - Brazil's solution to the Cold War equation - was bound to come back to haunt us.


The Meltdown


   Don't ask me how, but Dilma managed to get reelected in 2014. Just barely. A Pyrrhic victory...

   That half of Brazil which had learned to hate the Worker's Party went completely berserk. Hysterical, really. How could the other half give them another four years at it? Were they blind, stupid, or both? Weren't they living in the same country? Weren't they being fed their daily ration of Operation Car Wash discoveries? A 4th term? To those people? No way! And you know what I've been hearing? There's talk of Lula running for president in 2018! These morons are gonna elect him yet again, for sure! It just can't be! We gotta do something! It's our country, our mission! We are the chosen ones, so let's get to it! We have to save them from themselves! And here we go again...
   Dilma may have won in 2014, but she would never get to bring that trophy home. She would not have a second term.
   Technically, she was the president. However, Congress and much of the country declined to view and treat her as such. Each faction, each interest group, each fraction of society had its own reading of the situation, its own interests; and most of them - at least most of those that really matter when it comes to running the country - decided to behave towards her, and did, as if in a romantic relationship which is about to end. There's just nothing the other side can do that's right, that pleases; there's no hope, no compromise, no prisoners...


   In a momentous brew of historical injustice, social inequality, rampant corruption and massive media coverage of it, genuine indignation, justified outrage, deep resentment, misguided anger, political propaganda and pent-up disillusionment, I watched in awe as those forces held hands and threw us into a spiral of chaos, a cycle of indignation begetting demonstrations, stirring indignation, begetting more and bigger demonstrations, begetting media coverage, begetting more indignation, begetting more and bigger demonstrations...
   On March 13th , 2016, over a million Brazilians took to the streets to ask for Dilma's head.

   How did Brazil find its way out of it?


   The 2016 Coup


   Some people will try to argue. Some will shake their heads in disapproval. At this point in time, some will even be angered... However, I stand by my opinion. What happened in 2016 was a Coup.

   Dilma was found guilty and removed from office on account of disregarding budget laws. A technicality. However, that was never the point. Ineptitude is not an impeachable offense. We had been hearing about getting her impeached from the day she got reelected, that budget laws thing was almost an afterthought, it was simply the best argument they could come up with to justify the sentence, the outcome which had been previously settled and agreed upon.

   The impeachment trial was broadcast live, and the politician's votes were basically about how the economy was in tatters, how corrupt her party really was... you get the idea. The whole thing had an unsettling feel to it, like it was a spectacle, like it was entertainment. Congressmen seemed to be ecstatic with the idea of playing their role in front of the cameras, and many were not able to restrain themselves. It was like a party. Even as I watched, I thought it was all very weird. Fair or unfair, they were removing an elected president from office. They were in the nation's Congress, acting on behalf of Brazil, before the eyes of their countrymen and the judgement of History. Were they not aware of what was in stake? How grave and significant that moment was? Judging from their big smiles and jokes, that sombering thought never crossed their minds...
   The complexity of the process and its various aspects mean it could, has and will continue to be discussed; the legal factor, the geopolitical factor, the historical context, the role and ambitions of each major player...
   I insist on calling it a Coup - and I'm reminded of Saint Perpetua and the water jug - because that is what it was. In the end, to me, it boils down to this: the proposal which was chosen by the majority through voting was forcibly removed from office, and replaced by the proposal which had lost.
   Dilma's vice-president, who took office after her impeachment, had publicly manifested his discontent with her, and had spoken of a neoliberal plan as a means to rescue the country's economy. The opposition party, which had lost the previous 4 elections, was only too glad to embark on a government very much like the one they themselves had in mind, and wholeheartedly applauded and helped implement it, even as they were offered ministries right off the bat, and got to hold five of those positions at one point.
   What I'm saying is, they did not remove the individual who had comitted a crime - which is what an impeachment should be about - but a whole way to do politics; A way which, right or wrong, good or bad, had been chosen by the majority; and they replaced it with the model of government which had lost the previous four elections; I sincerely can't think of any argument, legal or otherwise, around this very basic truth.
   Dilma was savagely and bluntly sabotaged by Congress. In spite of her past mistakes and general lack of political prowess, the cruel treatment she got made me feel sorry for her. It's not that her administration was either virtuous or disastrous, and I tend to lean towards the latter, it's the realization that she couldn't get anything done at all. She was imobilized, stabbed, and then left to bleed in full public view. The process amounted to a public execution, a hanging, and the crowds gathered to watch, cheer and applaud.



Enter Jair Bolsonaro



   But I digress...

   To make a long story short, the Temer government, that took over from the ashes of Dilma's impeachment and the Worker's Party tenure, implemented a neoliberal agenda in a historical oligarchy. The rich got richer, the poor got poorer. Operation Car Wash accused, convicted and arrested Lula on corruption charges. Two years and a heartless labor laws reform on, the 13 million who were unemployed are still unemployed. The austerity package, which included a suicidal 20-year cap on expenditure, hasn't really done much for ordinary people's daily lives. On the contrary. We still haven't made it out of that spiral of chaos. Temer's approval ratings are at incredible 4%. Is that what they impeached Dilma for?
   Brazil got fed up again, and is hungry for its fix of  some "great new thing".

   Enter Jair Bolsonaro...

   I'm sure you have personally witnessed and understand the power of mass media in the making of a politician. Celebrities - and I use the term loosely - have an impressive starting advantage in electoral races, don't ask me why. I myself don't think just because a person is good at one thing, that it means they're good at another. Being a good cook doesn't make you a good singer, and being a competent heart surgeon doesn't mean you can dance. However, being famous does help people get elected. Singers, actors, comedians, pundits, show hosts... pretty much anyone who is ( or has been at some point ) regularly seen on tv can dream about having a shot at it. Lately, YouTubers are starting to join the club.
   You might also have come across the famous quote "the problem with political jokes is they get elected". Well...

   A former army captain of, expectedly, conservative views, Bolsonaro's beliefs and defense of the rights of the military have earned him a political career, and he was voted city councilor in Rio de Janeiro in 1988. In 1990, he was elected a federal congressman, and has been reelected and serving terms there ever since. In these 26 years, he has only managed to pass two of his proposals into law. He claims to be persecuted by the left-wing parties. I believe it means he has no talent to argue, talk, debate, negotiate and convince his peers. That is to say, he's not a good politician.
   However, he has made an impression on people on account of his ability to say... - I'll be conservative - inappropriate and controversial things. Some people, believe me, would call his remarks disgusting or downright criminal, and that's just for starters, as some of the adjectives I've heard are not fit for publication.
   That's exactly what has earned him a place in the spotlight in these past 3 decades. He was often interviewed for the shock value of his answers, sometimes even to be laughed at. But earn a place in the spotlight he did.
   Now think back for a moment on the general meltdown I explained and described to you so far. Consider how the rise of a New Right and their neoliberal agenda are being spread through social media and trending among young people, and how we are all trying to find that "great new thing" which will finally drag us out of this swamp. Think of how the ghost of communism has come back to haunt us in Brazil, how all evil comes from the left, and how the military could save us again, like they did in 1964. Rampant crime also calls for the use of force, right? What could be better than someone from the military? In a time of crisis, we need someone with an iron fist, right? What could possibly go wrong? And thus Bolsonaro came to embody the "great new thing"...
   I do believe I've mentioned Brazil is huge, continental and complex, and that it has over 200 million citizens. I've also mentioned, I'm sure, Brazil is not for beginners.
   Is this familiar? An unknown politician who suddenly becomes the superhero who could fix all our problems overnight. He never says much about his plans and doesn't take part in debates, and yet he has led the polls throughout the campaign. He speaks a language of slogans and truisms. But he looks good on those "Bolsonaro's Best Moments" compilation videos.
   I have my own "favorite" moment. Colonel Brilhante Ustra was a torturer during the dictatorship years, a particularly nasty one, who was said to enjoy bringing his victim's small children to witness what his technique had inflicted upon their naked, spanked parents lying on the floor. As a young woman, Dilma had fought against the dictatorship and been arrested. She had met Colonel Ustra during her imprisonment. At her impeachment trial, when the time came for Bolsonaro to cast his vote, he dedicated it, among others, to "the memory of Colonel Carlos Alberto Brilhante Ustra" - and he enunciated the full name with satisfaction - adding, then, what amounted to a title: "The Dread of Dilma Rousseff!". A man standing by him - I think it was one of his sons who is also a politician - could be seen moving his lips along with Bolsonaro's enunciation, an indication the speech had almost certainly been previously rehearsed. A person who is capable of, in a calculated manner, utter such sadistic, lacking-in-compassion words, in my opinion is not fit to govern anybody. I would not vote for such a man.
   However, I don't think he'll mind it terribly. Bolsonaro already has a legion of followers so loyal his detractors call them "Bolsominions". They are proud of the nickname. They found their leader. His agressiveness is perceived as candor. It's no use trying to criticize him, trying to show them the horrible things he has plainly and repeatedly said. Statements that have earned him all kinds of names, including "proto-fascist". It's no good. His followers wear those adjectives like badges and medals. They are proof their captain is fighting the evil left-wing conspiracy, that is why they attack him. Every single piece of criticism can be dismissed as a misunderstanding, distortion or outright lie. I've had smart people I admire, respect and care for defend him. It's not about neoliberal policies, they had reasonable, experienced candidates for that. It's mass madness, it's personality cult. It's terrifying. Think "Invasion of the Body Snatchers" (1956).
   If he wins and keeps his promises, they're not even going to be able to say they were tricked and lied to, or that they had no warning. Their conscience will forever demand they carry their part of the responsability with them. "There's none so blind as those who will not see".
   Brazil's elite was not very fond of Bolsonaro at first, they'd rather have someone more... - how can I put this? - refined. But they know "you can't have your cake and eat it too", so they've adapted. Anything is better than those Worker's Party communists! If you ever have the chance to talk to a rich German industrialist from the late 1920's, I'm sure he'll be able to tell you all about it.
   Many of Brazil's prominent televangelists have also publicly declared they support Bolsonaro because of his conservative values. And there you have it!
   The Bolsonaro wave has been building momentum all over the internet and social media for at least a couple of years. How much of this is spontaneous, "an idea whose time has come", and how much of it is a carefully thought-out plan, backed and paid for by shadowy interest groups? These are worrisome times for democracy globally, because although mass media has frequently been used as a means to manipulate public opinion, recent technological tools we have not yet fully mastered and understood could take the concept of "rigging elections" to new and unimagined Orwellian heights. It is not the ballots or their vote count which is being tampered with, but the voter's very mind, conscience and opinion, through personalized, direct (mis)information sent straight to him. There's the Facebook - Cambridge Analytica scandal; The suspicions surrounding the Brexit vote and the accusations of Russian interference in Donald Trump's election to the presidency of the United States. None of these, the most notorious examples, has yet been fully explained, proven, analysed or understood. In the past few days, Brazilian press denounced and has been reporting on illegal bulk messaging of - to use the trendy term - "fake news" aimed at harming Bolsonaro's opponent's candidacy.
   Who is this opponent? Haddad is - hold your breath - the Worker's Party candidate. I do wish we had not come to this. We did have 13 candidates to choose from, you know? Left-wing, right-wing, all shapes, sizes and colors; but Brazil chose to indulge a bit longer in its self-destructive behavior and pit two unrelenting political forces against each other.
   If Bolsonaro wins, Lula must take some of the blame. He must have seen the signs, the writing on the wall... they should not have run for the presidency this year, thinking people and every poll foresaw this: the Worker's Party still had enough in him to make it to the second round against Bolsonaro, but then we'd come to this Russian roulette. I really think they should have stepped back and let another left or center-left candidate have a go at it. What saddens me is that the facts point at this being Lula trying to avoid losing his party's hegemonic grasp on the Brazilian left-wing to some other rising star. I'd like this to somehow not be true.
   If Bolsonaro wins, I believe we will, at best, have another Collor. I think he will make a series of bad mistakes, his neoliberal policies will make him lose public support very quickly, ominous storm clouds will soon and swiftly fill the sky. And that's a best-case scenario. Considering his statements, it could be much, much worse.

   Pray for Brazil.

A Few Parting Words



   I warned you about this country and plot twists; 

   There's an image that sums up well what we are going through in this year of 2018. On the night of September 2nd, our 200-year-old National Museum burned down. The statue of Emperor Pedro II ( yes, we had two emperors ) at the front, his back understandably turned to the tragic spectacle, seemed to helplessly preside over the flames' sad and unstoppable feast. It looked beautiful against the night sky. It was as if Fate were making fun of us, holding a mirror up to our face and, as she laughed, pronounced our inescapable sentence: "Look what you've done to yourself!".

   So here we go again... What could a single human being do? All in all, not that much, I'm afraid. This, too, shall pass... But for now, I'm stuck here in this place, in this time, watching these events unfold. Miserably powerless, in a painfully human way. Powerless... For someone who grew up - how did I put it? - "surrounded by and bathed in" the redemocratization, being forced to witness the events of the past 5 years in this country is enough to make a grown man cry. So here we go again...

   COME ONE! COME ALL! SEE! Brazil actually choosing all of this! WATCH! as we take a bath, put on our best clothes, dab some perfume on, and smile cheerfully, vigorously waving to the crowds as we embark on Titanic's maiden voyage! Yet again! Knowingly! WITNESS! as unpredictable future events unfold!

   Me? Don't pay any attention to me, ma'am. I'm not important. I'm just someone taken along for the ride, even though I didn't buy the ticket... ( speaker sighs deeply... )

   So... What will happen in the next episode? Will this novela have a happy ending? Stay tuned and find out!

   For now, children, repeat after me:


   This, too, shall pass...

   This, too, shall pass...

   This, too, shall pass...

sábado, 20 de outubro de 2018

Divagações acerca de um Provável Governo Bolsonaro

   Estou angustiado com estas eleições. Para mim, neste 2º turno, o Brasil escolhe entre levar um murro na cara (Haddad) ou 3 tiros de fuzil (Bolsonaro).

   Eu não gosto de rótulos, mas se alguém insiste, para cortar caminho eu digo que sou de centro, ou de centro-esquerda. Só para constar, no 1º turno eu votei no Ciro Gomes, e acho que fiz uma boa escolha. Se eu fosse adepto da economia liberal - e não sou - acho que teria votado no Henrique Meirelles. Reconhecidamente preparado e competente, ficou com a chave do cofre nos governos Lula e Temer, e nem sobre ele, nem sobre sua equipe pairam suspeitas de corrupção. Esses predicados já são convincentes argumentos sobre seu valor. 

   Das opções de que disponho, Fernando Haddad é a que menos repudio. O PT cometeu vários e injustificáveis erros, incluindo permitir-se herdar nossa histórica corrupção sistêmica; por outro lado, ousou imiscuir-se no medieval e pornográfico abismo de desigualdades que, tal qual tradição ou costume, resilientemente continuamos repassando de geração em geração. Infelizmente, o anti-petismo - considere-o justo ou não - dividiu o país praticamente ao meio desde 2014, e é promessa de que não haverá pacificação. Independentemente de ótimas ou péssimas propostas, Haddad não deve conseguir governar, como se deu com Dilma em seu segundo mandato, que ela ganhou mas não levou, já que foi imobilizada pelas pautas-bomba e sabotagem do Congresso que a impicharia. Teremos mais acusações, delações, panelas, manifestações, patos amarelos... até o quê? Um novo impeachment? Algum tipo de ruptura não é impensável, e Haddad possivelmente não terminaria o mandato.

   Bolsonaro, em mim, inspira vaticínios ainda piores.

   Ele me remete ao Collor de 1989: um político desconhecido que de repente vira o super-herói que vai salvar o país; o candidato que fica em 1º lugar nas pesquisas mesmo sem ir a debates e sem explicar direito seu plano de governo; Sua arma infalível para enfrentar os problemas do Brasil? A repetição despudorada de frases feitas, slogans de marqueteiros e truísmos: Desemprego? "Vamos acabar com a corrupção!". Saúde? "O Brasil tem que mudar!". Déficit? "Vamos construir um Brasil novo!". Educação? "O Brasil é um gigante adormecido!". Segurança? "O povo brasileiro é alegre, generoso, criativo e trabalhador!"... No final da história, ele vence o pleito e comete uma série de erros, trocando os pés pelas mãos; só pra começar, Collor confiscou a poupança... Não que eu ache que Bolsonaro vá fazer isso, mas espero uma sucessão de equívocos da mesma monta. Ele não explica suas propostas para resolver as sérias dificuldades que enfrentamos hoje, fica só - para usar o termo da moda entre seus eleitores - "mitando" na internet e enumerando nossos defeitos, erros e problemas, sem oferecer soluções; Isso é mais uma característica que me remete ao Collor de antanho. Lembra do "Caçador de Marajás"? Dos recados estampados nas camisas usadas para caminhar? Do Collor praticando karatê, do Collor pilotando jet ski ( então uma novidade inacessível )...?

   Apesar dos quase 30 anos na política, Bolsonaro é ainda menos preparado do que Collor era: só aprovou 2 projetos em 28 anos. DOIS projetos em VINTE E OITO anos! Não venha me dizer que ele foi oprimido e sabotado pelo "grande sistema corrupto": para usar uma expressão que seus apoiadores adoram usar contra seus críticos, isso é mimimi! Nem projetinhos inofensivos e inócuos ele aprovou! Ou ele não tem boas ideias, ou não se esforçou, ou não tem talento para conversar, debater, convencer, articular e negociar; ou seja, não é bom de política! Como um homem que não enfrenta debates eleitorais vai negociar com líderes internacionais a posição do Brasil no mundo? 

   O Brasil é um país continental e complexo, com mais de 200 milhões de habitantes; não pode ser entregue a um principiante. Bolsonaro nunca foi ministro, governador, nem mesmo prefeito de uma cidade pequena. Se já seria temeroso fazer essa escolha em qualquer ano, neste 2018, na esteira dos movimentos de 2013 e de um segundo impeachment de presidente em 25 anos, encurralados pela crise profunda e generalizada em que estamos, fazer uma aposta dessas é, pra ficar numa palavra civilizada, leviano. 

   Acho que Bolsonaro vai ser um presidente de papelão, a quem a própria equipe vai manipular. Quem sabe até já seja motivo de troça entre essa turma, que é quem verdadeiramente decidirá os rumos do Brasil. Talvez deixem que ele aprove um ou outro projeto sem muita relevância, como o doce que se dá à criança para que ela não nos aborreça e deixe-nos trabalhar sem interrupções.

   O Brasil já deu um cheque em branco a Bolsonaro, elegendo uma enorme bancada aliada sem experiência ou currículo. Celebridades e YouTubers engrossam o coro de "Mito!". Já que não adianta chorar o leite derramado, desenvolvi uma saudável curiosidade mórbida de ver no que vai dar quando o "mito", inevitavelmente, revelar-se humano e falível. 

   Lamento o erro histórico de oferecer patrimônio nacional estratégico ao capital estrangeiro ( petróleo, grandes extensões de terra, Amazônia, Embraer, o SGDC-1 (nosso 1º satélite geoestacionário), a Base de Alcântara, o setor elétrico... ). Aliás, essa história de, em evento de um ano atrás em Miami, ele ter batido continência, emocionado, à bandeira americana, é muito difícil de engolir pra mim. Eu mesmo tenho admiração, e um sincero e grande carinho pelo povo americano, mas isso não é atitude aceitável para quem está lá na condição de pré-candidato à presidência do Brasil...

   Já escrevi sobre sua péssima ideia de facilitar o acesso a armas. No campo, até acho que há espaço para esse debate; no resto do país, é um equívoco tremendo que deixará gosto de sangue na boca dos apoiadores da proposta. Vocês acham que só o cabalístico "cidadão de bem" vai adquirir armas? Os complexados, neuróticos e machões não vão querer a deles, também? Um assalto na rua, se a vítima reagir, pode virar tiroteio. Imagine um assalto em um ônibus? Brigas de bar, mesmo aquelas por causa de futebol e abastecidas por cachaça... E as brigas de casal? Imagine esses agressores, que já esmurram e esfaqueiam, tendo uma arma de fogo em casa? Mesmo que não chegue a usá-la, suponhamos o gélido pavor com que viverá essa mulher, que já passa seus dias sob o jugo do algoz? E se na próxima vez que ele surtar, um ou dois vizinhos bem-intencionados decidirem apresentar seus revólveres como argumento de persuasão? O Brasil vai virar um canal de tv por assinatura que passa filmes de faroeste 24 horas por dia. Chegaremos à condição de ter saudades do flagelo já vivemos hoje...

   Armar a população? Se até os policiais do RJ, profissionais treinados e calejados, estão morrendo aos punhados porque não conseguem usar sua arma para se proteger, uma vez que o outro lado sempre tem o elemento surpresa, imagine o cidadão comum? O próprio Bolsonaro, quando foi assaltado, teve a arma levada pelo assaltante. E ele é capitão de nosso Exército!

   Expandir as excludentes de ilicitude? Toda obra humana é passível de aperfeiçoamento, mas se já há tantas vítimas inocentes na maneira equivocada com que lidamos com o crime, imagine o que essa "licença para matar" não significará nas mãos daquela minoria corrupta, mal-intencionada, mal preparada, ou simplesmente sádica das forças de segurança? 

   Neoliberalismo econômico? No Brasil de 2018? Se até o FMI já não teme fazer algumas críticas ao modelo; se alguns estudiosos já apontam que ele tende a concentrar ainda mais as riquezas nas mãos de poucos, e que favorece o capital financeiro e especulativo em detrimento do capital produtivo; Empresas estatais são ineficientes e corruptas? Veja os maiores escândalos mundiais da última década: Enron, Lehman Brothers, Bernie Madoff... empresas privadas! Aqui no Brasil, Odebrecht, OAS e a JBS dos irmãos Batista, empresas privadas! Privatizações são uma panaceia milagrosa que acaba com todos os problemas como que por mágica? A Vale do Rio Doce foi premonitória em mudar o nome para simplesmente "Vale", já que a tragédia de Mariana matou o "Rio Doce" que a tinha batizado. A telefonia e a internet no Brasil, na sua opinião, funcionam bem e têm preço justo? 40 anos depois, os britânicos já perceberam que as promessas neoliberais da Era Thatcher não se materializaram: 76% querem re-estatizar as ferrovias; 77% querem que o poder público reassuma a eletricidade e o gás; 83% pedem a volta do fornecimento estatal de água! Eu pergunto: onde estão as empresas que recusam subsídios? E quando os problemas chegam, como a crise do mercado financeiro de 2007-2008, não vejo nenhuma empresa ou instituição financeira recusar o suado dinheiro público que o Estado explorador e malvadão vem oferecer em seu socorro para evitar um mal maior... Criançada, eis a edificante moral da história de hoje: "Neoliberalismo no dos outros é refresco!".

   Neoliberalismo econômico? Num país em que as 6 pessoas mais ricas - veja bem, não são 6%, são SEIS INDIVÍDUOS - possuem a mesma riqueza que a metade - 100 milhões - mais pobre da população? Falar em "empreendedorismo individual" em um país que vive o que é talvez a maior desindustrialização na história da humanidade? Em que a participação da indústria no PIB regrediu aos patamares dos anos 1950? Falar em "menos Estado e mais Deus" em um país onde metade da população ainda não chegou ao estágio civilizatório de ter saneamento básico, fazendo uso de fossas e esgoto a céu aberto? Falar em "meritocracia" em um país onde 75% da população não tem domínio pleno da leitura e das operações matemáticas? Neoliberalismo econômico? No Brasil, uma oligarquia convicta há 500 anos? Lembro-me da marcante e ainda muito válida frase de 1848 do padre, jornalista e educador francês Lacordaire: "Entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta". Neoliberalismo econômico? No Brasil de 2018? Esse modelo seria equivocado, egoísta, nocivo ou suicida, ou ainda alguma devastadora combinação dos quatro;

   O cenário de destrambelhamentos descrito até agora ainda retrata o melhor que eu esperaria de uma gestão Bolsonaro. Eu tenho outros medos, muito mais instintivos, quase primitivos. Vejo, sim!, sinais protofascistas em seu discurso. Eu já compartilhei anteriormente a lista de "Sinais Incipientes do Fascismo" de Laurence Britt. Eu identifico todos os 14 sinais na candidatura Bolsonaro, e ainda acrescentaria:

01. O culto à personalidade; Cristalino e inegável, chegando ao requinte, inclusive, de adotar um título a ser usado e repetido pelos convertidos; Se Mussolini era "Il Duce" e Hitler era o "führer", Bolsonaro é o "mito", e até em pequenas ações corriqueiras, rotineiramente estaria demonstrando sua inteligência, capacidade, honestidade e infalibilidade;

02. A promessa de volta a um intangível "passado glorioso", remetendo a algum período que é visto sob um prisma nostálgico e parcial que negligencia inevitáveis problemas, contradições e imperfeições. Para Mussolini, era o Império Romano; Hitler almejava um Terceiro Reich - um terceiro grande império alemão - sucedendo o Sacro Império Romano-Germânico e o Império Alemão arquitetado por Bismarck, que foi da unificação até a Primeira Guerra Mundial. O movimento brasileiro, sem muitas opções, elegeu - acreditem se puderem - a Ditadura Militar que se instalou em 1964, mas rotineiramente flerta com Dom Pedro II e seus anos à frente do Brasil.

03. As ações agressivas e a escalada de incidentes de violência, praticados por adeptos, e que vão brotando espontaneamente à medida que o movimento vai ascendendo politicamente; fenômeno conspícuo com os camisas negras na Itália e os camisas pardas na Alemanha, também já vemos fatos análogos se multiplicarem pelo Brasil, inclusive - repetida e lamentavelmente - em universidades. 

   Sobre o terceiro item da lista de Britt - a identificação de grupos inimigos como causa unificadora - vejo incrédulo que os coveiros protofascistas conseguiram exumar e invocar o fantasma do comunismo! DO COMUNISMO! 

   Mesmo se ignorarmos que foi esse o mesmo mantra que permitiu aos conspiradores de 1964 apunhalar a democracia sob o pretexto de protegê-la, falar de perigo comunista no Brasil de hoje beira a esquizofrenia; seria cômico, se não fosse trágico. Nós vamos seguir o glorioso exemplo de quem? Coreia do Norte? Das "malvadas favoritas" da nova direita brasileira, Cuba e Venezuela? E se dermos sorte, e alcançarmos a pujança econômica da China? Sim, porque eu nunca vi ninguém da turma "Nossa bandeira jamais será vermelha!" dar um pio sobre as relações comerciais do Brasil com nossos queridos irmãos chineses. Afinal, faz 70 anos que eles lá são comunistas convictos, declarados e assumidíssimos, e - reparem - de bandeira bem vermelhinha! Esta pode até não ostentar a foice e o martelo, mas ninguém é perfeito... Para compensar esta constrangedora lacuna, porém, eles têm a supremacia do Partido Comunista, o controle estatal da mídia e da internet, e até acusações de violação dos direitos humanos; pacote "Marx Luxo" mesmo, só na economia que eles se desvirtuaram um pouco... Que tal vocês, que criticam os "socialistas de iPhone", por coerência e para dificultar o avanço da ameaça vermelha que, nos alertam, já se infiltrou entre nós, boicotarem os produtos "Made in China", ou talvez defender o rompimento de relações? Cuidado que o Gramsci te pega, hein? 

   Ora, façam-me o favor...! Nem o "Partido Comunista do Brasil" é comunista, está mais para social-democrata... Se alguém propuser a revolução proletária, eles vão pedir moderação e parcimônia! Não que isso seja ruim... O dia em que o PCO estiver liderando alguma pesquisa eleitoral vocês voltam pra conversar comigo, combinado?

    Em 13 anos de presidência, quando foi que o PT tentou, ou mesmo falou em socializar algum meio de produção? Alguma empresa? Algum banco? Ou mesmo criar uma mídia oficial que verdadeiramente fizesse frente às empresas tradicionais? Estatismo não é socialismo! O PT favoreceu, sim, "os amigos do rei"; botou, sim, um monte de gente nas boquinhas do Estado, mamando nas tetas do dinheiro público. Eu vejo, também, que o partido mostra egoísmo na forma como administra sua liderança no campo progressista, e como pode ser implacável ao lidar com fatos que prejudicariam esse projeto hegemônico; essa postura errada vai de coisas como a desleal investida para isolar Ciro Gomes nessas eleições até as suspeitíssimas circunstâncias do assassinato de Celso Daniel, caso que nunca foi satisfatoriamente explicado. Porém, assim como alguém oferecer suborno a um fiscal para evitar uma multa não significa uma tentativa de tomar o poder, os muitos e sérios erros do PT não caracterizam um sistemático e sinistro complô, um bem pensado plano de aparelhamento do Estado, da grande mídia, ou do Judiciário.

   O PT comprava o Legislativo com propinas? Pois se não conseguiu eleger nem o Presidente da Câmara - e esse atrito com Eduardo Cunha está nos primórdios do impeachment - e ainda foi defenestrado do poder por ⅔ do Congresso, que deleitou-se em tripudiar do partido em clima de festa e ao vivo, em frente às câmeras! A grande mídia? Me diga UM canal de tv aberta que tenha sido crítico ao impeachment, UNZINHO SÓ! Um dos jornais de maior circulação? Uma das grandes revistas semanais de notícias que tenha ficado ao menos neutra? Dê uma olhada nas edições anteriores; pode ignorar o conteúdo, basta passear pela galeria de capas! O Ministério Público? Mesmo sem obrigação legal, Lula inaugurou a tradição, abandonada por Temer, de nomear o 1º indicado do próprio órgão para Procurador Geral da República. O Judiciário? Aquele que não impediu e nem mesmo protelou o impeachment? O mesmo que não evitou nem adiou a prisão de Lula? O mesmo que até hoje não pautou a relevante questão constitucional da prisão após condenação em 2ª instância? Esse é o Estado aparelhado pelo PT, que teria tentáculos e colaboradores em toda parte? 

   Pode dormir tranquilo: ou o PT é um incompetente, miseravelmente incapaz de aparelhar o Estado, mesmo depois de mais de uma década no poder, ou - e esta é a tese que defendo - ele nunca nem tentou! Isso é Teoria da Conspiração das mais risíveis! Se você acredita nisso, perde legalmente o direito de zombar de quem tem medo da URSAL. Essa turma devia ouvir aquele discurso do Caetano Veloso em 1968, improvisado diante das vaias a sua performance de "É Proibido Proibir!": "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? (...) São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada! Nada! Nada! Absolutamente nada!"... Companheiros de viagem, "Estudar o passado te revela o futuro".

   Outra característica de fascistas é, depois de escolher um inimigo e usá-lo como força unificadora, passar a desconstruí-lo, ridicularizá-lo e desumanizá-lo, rebaixá-lo a menos que seres humanos dignos de respeito. Isso já tinha justificado a escravidão desde a antiguidade, e isso viabilizou o antissemitismo. Ou você acha que foi fácil convencer o alemão médio a desprezar e, então, odiar seus inofensivos e perfeitamente prosaicos vizinhos judeus? Que foi da noite pro dia? Não. Custou muito foco e trabalho. Começou com críticas, caricaturas, acusações, desconfiança, desqualificação; chamando-os de sujos, comparando-os a ratos... Desumanizar. Não é criticar, não é apontar os defeitos; é diminuir e desumanizar o outro. Pois você não identifica processo análogo em curso quando, além de ressuscitar o uso do termo "comunista" como ofensa, há uma penca de neologismos, ao gosto do freguês? Esquerdinha, esquerdalha, esquerdopata, petralha, lulopetista, bolivariano, e por aí vai. Outro exemplo é chamar feministas de "feminazis", e dizer que são feias, peludas e fedorentas. Quando a opinião política de alguém suscita gritos de "Vai pra Cuba!", algo está muito, muito mal... 

   Reconhecer o significado e valor de ter opositores é medular na democracia. Assim como até o pior criminoso ter direito a uma defesa e um julgamento dá legitimidade à Justiça, a existência de opositores é alimento para uma democracia sadia. Se você é cristão, esse respeito ao próximo passa então a ser uma imposição absoluta e inegociável! Eu invoco Mateus 5:43,44

   "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;"
   
   Se os cristãos fossem cristãos, não teríamos tido o calculado assassinato de pagãos. Em nome de Cristo, os cruzados estupraram mulheres e mataram crianças. Em nome de Cristo, católicos queimaram vivos pecadores na Idade Média. Em nome de Cristo, protestantes enforcaram bruxas no Novo Mundo. Cidadãos de bem, respeitados em suas comunidades, ostensivamente cristãos, há meros 130 anos atrás, nesta terra, eram donos de outros seres humanos, a quem chamavam "escravos", que eles compravam e vendiam, e em quem batiam ou mandavam açoitar quando se desagradavam deles. Tudo isso enquanto liam a mesma Bíblia que você, e frequentavam igrejas como a sua. Não subestime a capacidade de nossa raça de conciliar Cristo com qualquer barbaridade. 

   Cristãos, se esforcem para não atirar a primeira pedra! Não sejam como os fariseus, não adianta limpar o exterior do copo se o interior continua sujo. Tirem o cisco do teu próprio olho antes de apontar o cisco no olho do teu irmão. Finalmente, cuidado para não escolher Barrabás! Tenha sempre em mente que não foram os leprosos, prostitutas e bandidos que crucificaram Jesus; foram as pessoas de bem, incluindo líderes religiosos, em nome da defesa da tradição e dos bons costumes!
 
   Alguns eleitores bem-intencionados de Bolsonaro podem pensar que estou exagerando; que o fascismo não está pairando sobre o Brasil com um sorriso traiçoeiro no rosto; que não, não estamos chocando o infame "ovo da serpente"; não esqueçamos que, longa ou curta, qualquer caminhada, mesmo essa, teria de começar pelo primeiro passo; que por apelar aos instintos mais primitivos do homem, na célebre frase de Bertolt Brecht, "a cadela do fascismo está sempre no cio"; Bernardo Bertolucci nos avisa que o "fascismo começa caçando tarados"; os mais intelectualmente ambiciosos podem debruçar-se sobre as 14 características do "Ur-Fascismo" que Umberto Eco compilou;

   Os grandes vilões do século XX chegaram ao palco mundial apresentando-se como heróis que apontavam para um futuro melhor. Como reconhecê-los enquanto ainda são mensageiros da esperança? Guardo comigo uma sugestão que Salman Rushdie deu há 20 anos: que o crucial seria rejeitar a ideia de pureza; é quando as pessoas começam a insistir muito em limpeza, seja ela racial, étnica, cultural, ou o que seja, que é isso que nos conduz à câmaras de gás e extermínio em massa, e que o século XX nos ensinou que, se alguém tenta simplificar e reduzir a vida humana até chegar a um único modelo do que é certo e bom, definindo um só jeito de como as coisas deveriam ser, este é o vilão perigoso, e nós devemos, portanto, aprender a tolerar e valorizar uma sujeirinha. Não muita, ele brinca; só um pouquinho...

   Há vídeos e áudios de Bolsonaro dizendo coisas indizíveis. A defesa da ditadura; a defesa da tortura; a tolerância da morte de inocentes... Proclamando que Dilma tinha que deixar o poder, "infartada, ou com câncer, ou de qualquer jeito". Não estamos falando das imprudências de um adolescente impulsivo, postadas no Twitter no calor de seus 14 anos neste mundo - pobres dessas gerações, que têm sua imaturidade tão amplamente registrada; São falas de um homem maduro, eleito por seus semelhantes para legislar sobre sua nação, registradas em ocasiões públicas e perante conspícuos câmeras e microfones. Bolsonaro dedicou seu voto no impeachment da presidente Dilma, entre outros, ao torturador Brilhante Ustra, com quem ela chegou a se encontrar enquanto esteve presa na juventude; Pois eu acuso Bolsonaro de enunciar, com satisfação, o nome completo do coronel, reverenciando-o como "o pavor de Dilma Rousseff". Alguém ao seu lado - creio que um de seus filhos que também é político - move os lábios acompanhando-o no ultraje, numa provável indicação de que o voto foi ensaiado. Por maior que fosse sua repulsa, alguém capaz de um ato calculado tão sádico e desprovido de compaixão, a meu ver, não está apto a governar ninguém, e a ele não dou meu voto.

   Querem agora ouvir um segredo embaraçoso, uma confissão bem íntima? Para ser completamente cândido, eu penso que Bolsonaro, em seu despreparo, que é quase ingenuidade, sinceramente acredita que faria bem ao Brasil. Infelizmente para todos nós, isso não tem nenhum efeito prático ou maior relevância, e significa simplesmente que ele mesmo talvez seja uma das primeiras e graves vítimas da espiral do caos que, eu creio, continuará a se desenovelar. Temo que ele vá chorar muito no chuveiro. Estes são tempos de escolhas aflitas e dilemas angustiantes para todos nós desta terra.

   Se uma imagem resume bem o Brasil de 2018, creio que é a estupefaciente e pungentemente triste visão do Museu Nacional pegando fogo. A estátua de Dom Pedro II, ainda que de costas - talvez propositadamente assim - parecendo presidir impassível e impotente sobre o interminável e irrefreável banquete das chamas, estas especialmente fulgurantes porque cercadas pelo negrume do céu noturno. É como se o Destino, caçoando de nós, erguesse um espelho diante de nosso rosto e, rindo, pronunciasse a inescapável sentença: "Eis o que fizeste de si!". Terá sido um parto? Um eclipse total do sol? Uma ave de mau agouro? Ou seria uma pira de sálvia, canela e mirra? A nós não é dado reconhecer; só o Tempo o sabe, e só ele responderá.