Na sofreguidão de preservar a hegemonia do PT sobre a esquerda, não abriram mão de uma candidatura própria, o que foi um erro; levaram a história de "Lula é candidato" até o limite e, não satisfeitos, se deram ao trabalho de sabotar Ciro Gomes, o único candidato do campo progressista que as pesquisas consistentemente mostravam ter boas chances de vencer Bolsonaro.
O PT sabia que ainda tinha fôlego para chegar ao 2º turno, mas que teria, então, um páreo mais difícil. Talvez eles contassem com a rejeição a Bolsonaro, que levaria fatalmente a uma frente ampla de seus críticos quando chegássemos ao derradeiro embate; a propaganda eleitoral deveria derreter uma boa parcela do anti-petismo. Bolsonaro é despreparado e não fala bem, nos debates ele seria pisado e prejudicado, iria perder eleitores. No decorrer da campanha, talvez fizesse ou dissesse mais alguma grande bobagem... De qualquer forma, era uma aposta arriscada; se em 2014, com Lula solto e fazendo campanha, Dilma tinha ganho raspando, imaginem 4 anos, mais suspeitas, mais delações, muitas panelas e patos amarelos, um impeachment e um Lula preso depois? Ainda em julho, ouvi na imprensa o próprio Ciro Gomes comparar essa estratégia com "o PT chamando o Brasil para dar um cavalo-de-pau à beira do precipício". Pois é... Lula, seu partido e, de quebra, o Brasil terão de amargar as consequências.
O destino, afinal, nunca mostra todas as suas cartas, e veio a facada em Jair Bolsonaro. Se o atentado foi uma inaceitável violência, uma tragédia chocante - e nunca podemos esquecer que por trás da figura pública há um ser humano - em termos políticos foi como ganhar na loto: A instintiva compaixão inspirada derreteu parte do sentimento de rejeição; o candidato que tinha 8 segundos no horário eleitoral passou a ter horas e horas diárias de cobertura jornalística, os veículos brigando por informações e declarações exclusivas; Os debates que deveriam "desmascarar" Bolsonaro não aconteceram. Primeiro, por questões médicas; depois, por questões estratégicas; Afinal, disse o capitão, "quem conversa com poste é bêbado". Agora, a cúpula de sua campanha alega ter descoberto planos de um novo atentado contra o candidato por parte de uma facção criminosa, o que seria mais uma justificativa - porém ainda não revelou detalhes; A tal Frente Ampla pela Democracia em oposição a Bolsonaro não vingou: O PT só conseguiu algumas manifestações de "apoio crítico", algumas declarações ambíguas, alguns flertes desconfiados; mesmo esses, não raro guarnecidos com contundentes críticas.
Por enquanto, só me é dada a opção de assistir ao desenrolar dos inescrutáveis e inevitáveis acontecimentos futuros. O Brasil tomou banho, vestiu sua melhor roupa, passou perfume e, sorriso alegre no rosto, está acenando vigorosamente para a multidão enquanto embarca na viagem inaugural do Titanic... De novo!
Bem... Como dizem os japoneses, "Se engolir veneno, lamba o prato"...
Somos confrontados, assim, com este 2º turno. Decepcionado, propus no Twitter, aos biólogos, uma ousada teoria: e se os brasileiros, na
verdade, forem uma variedade não identificada de lêmingues? Pedi-lhes que não fossem
preconceituosos, afinal às vezes a verdade é tão óbvia que ninguém vê. Indaguei também se já havia alguém com espírito empreendedor fazendo camisetas "A Culpa Não É Minha. Eu Votei no Ciro!".
Ainda assim, tendo que escolher entre o Brasil levar um baita murro na cara (Haddad) ou três tiros de fuzil (Bolsonaro), próximo domingo eu vou de "murro na cara". Eu detestaria um governo Alckmin, Meirelles ou Amoêdo, mas faria força pra engolir com um copo d'água: faz parte do jogo... A candidatura Bolsonaro e o que ela representa, entretanto, cruzam, para mim, um limite inaceitável, e contra ele eu votaria até num gato atropelado. Acho que até no PSDB!
Fico receoso em ver, também, a enorme bancada eleita pela onda Bolsonaro. Reitero: não pelo viés ideológico, do qual discordo: a existência de opositores alimenta a democracia; refiro-me à verdadeira legião de gente sem qualquer preparo ou experiência. É comum pessoas famosas serem eleitas, às vezes sem ter nada mais que justifique os votos recebidos: sempre tivemos apresentadores de televisão, cantores, jogadores de futebol, atrizes, humoristas, etc... entre nossos legisladores. Ultimamente, YouTubers e os ditos digital influencers estão começando a entrar para o clube. Alguns com algum conteúdo para mostrar; outros, sem nada de mais substância. Mesmo esses mais insípidos não podiam fazer muito mal, porquanto diluídos entre os números totais. Essa nova bancada, porém, tem um potencial destrutivo muito maior. Já que não adianta chorar o leite derramado, desenvolvi uma saudável curiosidade mórbida; o que essa turma vai aprontar? Como vai reagir quando o "mito", inevitavelmente, mostrar-se humano e falível? E os televangelistas que declararam apoio a Bolsonaro? Escaparão ilesos deste estigma? Quanto a mim, pretendo exilar-me aqui mesmo, no Brasil. Vai ser estranho ter tal experiência em meu próprio país... Espero que seja menos terrível do que temo, e que possamos amadurecer e evoluir durante a caminhada. "Também isto passará"...
Quanto mais eu reflito, mais temores me brotam: Imagino o Bolsonaro, que não comparece a debates e sabatinas, indo discutir algum interesse do Brasil com o Trump. Imaginem a saia justa de alguém com seu currículo de posicionamentos e declarações encontrando-se com uma Merkel. Bolsonaro fazendo o tradicional discurso de abertura da Assembleia da ONU... Esses pensamentos chegam a dar calafrios.
As elites brasileiras, como de costume, se adaptam. Estou certo de que prefeririam alguém, assim... - como posso dizer? - mais refinado... Porém, "vão-se os anéis e ficam os dedos", certo? Vale qualquer um contra os comunistas do PT, certo? Para o Brazil não virar uma Venezuela, não é? "Nossa bandeira jamais será vermelha", etc... Se algum dia tiver a oportunidade, pergunte a qualquer ricaço alemão do final dos anos 1920 e ele poderá explicar a você como essa lógica funciona. Pois será que esse escândalo do WhatsApp e boatos de ilegalidades na campanha não seriam uma espécie de "seguro"? Uma "carta na manga" para pressionar ou, caso mostre-se necessário, derrubar o capitão?
Não deixa de ser irônico ver que a turma que hoje faz a Bolsa subir e o dólar cair enquanto grita “mito!” para Bolsonaro, é a mesma que dizia que Lula era ignorante, despreparado e tosco; que tinha língua presa e que não estava à altura do cargo...
Gostaria, também, de registrar duas reflexões que andam regressando insistentemente a meus pensamentos:
A primeira é que, embora repudiando a candidatura Bolsonaro e achando que o governo dele vai ser medíocre ( isso na melhor hipótese ), mesmo assim dói muito no coração imaginar uma legião de jovens bolsominions idealistas tendo suas esperanças traídas... Companheiros de viagem, mesmo sob o que virá, não desistam da política! Continuem estudando, amadurecendo e participando do debate sobre o país!
A segunda é que, se Bolsonaro vencer e cumprir o que promete, seus eleitores serão eternamente cobrados em suas consciências por sua parcela de culpa no desenlace. Não poderão nem mesmo dizer que mentiram para eles, que foram enganados, ou consolarem-se com o argumento de que não foram avisados; Ironicamente, o próprio Bolsonaro pode ser vítima desta inevitável confrontação consigo mesmo.
Como eu desejo ardentemente estar errado! Eu rezo por isso! Para que os sintomas e sinais que se sucedem, ao fim, tenham sido um grande engodo, uma brincadeira de mau gosto, um alarme falso!
...E entre histórias de ataques violentos por parte de eleitores de Bolsonaro, de tais ataques serem forjados, de factóides esdrúxulos e de ameaças à Constituição, às instituições e ao STF sendo ditas e desditas e desmentidas, desorientados todos num labirinto de notícias preocupantes... Nas imortais palavras de José Maria Eymael, aquele resiliente "democrata cristão": "Sinais! Fortes sinais!".
Por fim, recordo-me ainda das famigeradas e, hoje compreendo, proféticas palavras de Dilma Rousseff: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder; vai todo mundo perder!".
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