Nós não sabemos
quem foram os primeiros atores da história. Não sabemos os nomes dos primeiros
músicos e dançarinos. Mesmo dos tempos pioneiros do cinema e do rádio temos registros
limitados. A televisão, infelizmente, também se preocupou mais em crescer do
que em preservar seus primeiros passos. O que ainda temos sobrou quase que por
acidente.
Isso é mais um
motivo para lamentar o falecimento de Hebe Camargo: perdemos um grande arquivo
vivo; alguém que assistiu, sempre da primeira fila, aos 62 anos que a televisão
brasileira percorreu até aqui.
Preparando as
merecidas homenagens, as emissoras vasculharam seus acervos pelos grandes
momentos de Hebe. Estamos revendo muitas imagens dos últimos 30 anos, mas e a
primeira metade de sua carreira? Com exceção de uns pouquíssimos fragmentos
repetidos à exaustão, lamento dizer que foi apagada ou que está virando pó em algum
armazém trancado.
Neste momento de
luto, muitos repetem que Hebe não será esquecida. Não é leviano, porém, fazer
tais promessas quando continuamos mostrando tão pouco respeito por nossos
artistas? Quando nossos ídolos de outrora continuam sendo resumidos a alguns textos
e fotografias?
A televisão já é por
si um meio efêmero: poucos conseguem manter a fama por mais que alguns anos na
grande corrida para atrair o público. Há os que têm a sorte de nascer com
talento ou carisma para justificar algumas décadas de atividade, e há casos
raros em que aparições esporádicas e homenagens continuam até o fim da vida, e
mesmo além dele.
No Brasil, a
situação é pior ainda: 15, 20 anos de carreira significam aposentadoria
compulsória para a maioria absoluta, e pouca gratidão demonstramos àqueles que
enriqueceram nossos cotidianos com sua arte. Muitos são enterrados em vida
pelas emissoras, mesmo grandes talentos. Só para mencionar algumas
unanimidades, com que frequência você vê Chico Buarque na televisão? Maria
Bethânia? Cauby Peixoto e Ângela Maria? Artistas realmente extraordinários,
alguns com várias décadas de carreira e depositários de verdadeiro tesouro em talento,
carisma, e mesmo histórias curiosas e engraçadas.
Sabe o destino que eu
e você reservamos para eles? Esperamos que eles nos deixem, catamos apressados alguns segundos
de filme para exibir a título de homenagem, e os substituímos por gente que
muitas vezes tem pouco para oferecer.
Não sei como me
justificar perante as futuras gerações por não termos dado o valor devido a
eles. Como me desculpar por não lhes prestar o respeito que já conquistaram?
Como explicar que, havendo várias emissoras no ar 24 horas por dia, não pudemos
dispor de algumas dessas horas para registrar melhor sua passagem por nosso
mundo? Só me resta baixar a cabeça, pedir desculpas e tentar fugir da
responsabilidade dizendo que foram outros, aqueles que tomam as decisões, que
escolheram esta maneira de fazer as coisas.
Talvez o mais
triste não seja a aparente falta de interesse do grande público, mas que
aqueles que podem fazer algo ignorem tal missão de forma tão convicta, dolosa,
e que tais artigos, mesmo quando existem, não sejam disponibilizados para os
que têm, sim, interesse.
Falam em batizar
algum estúdio com o nome de “Hebe”, e em outros tipos de homenagem, sem dúvida
merecidas. Creio, porém, que o maior tributo que se pode prestar a um artista é
preservar sua memória. Garantir que daqui a muitos anos, mesmo quando nós e todos
aqueles que conhecemos já estivermos mortos, as pessoas ainda possam conhecer o
trabalho dele. Certificarmo-nos de que, caso algum de nossos descendentes
pergunte “O que fez desse artista alguém especial?”, ele tenha a oportunidade
de procurar a resposta em meio a horas e horas de um grande acervo.
Talvez na China, no
século X, tenha vivido uma cantora de voz tão bela que simplesmente escutá-la
levava os ouvintes às lágrimas. Talvez na Índia, há 500 anos, houvesse ator tão
hábil que fosse capaz de trazer qualquer espectador para dentro da realidade de
seu papel. Não nos é dado saber com certeza, pois não havia meios de
registrá-los exercendo sua arte. A tecnologia nos permite fazê-lo agora, mas
rotineiramente e levianamente negligenciamos tal possibilidade.
Seria tarefa tão
hercúlea criar um Museu da Televisão? Investir o suficiente para preservar e
disponibilizar este material, sem depender de iniciativas pessoais de uns
poucos pioneiros ou colecionadores apaixonados, e de seus limitados recursos?
Garantir que a Cinemateca Brasileira, o Museu da Imagem e do Som, a Biblioteca
Nacional e instituições similares tenham
orçamento e equipe suficiente para fazer seu trabalho de maneira digna?
Centralizar este material, inclusive nossas antigas dublagens, também tão
negligenciadas, em um grande Banco da Memória Nacional, cada vez mais
acessível? O Brasil está caminhando rumo ao desenvolvimento, e já temos
recursos financeiros e tecnológicos para viabilizar tal empreitada. Espero que
as autoridades e empresários do ramo acordem para esta iniciativa a tempo: Não
há dinheiro ou especialistas que possam restaurar um material que já não
existe;
Neste exato
momento, fitas e rolos de filme da Rede Tupi, a primeira emissora de TV do
Brasil, estão apodrecendo em algum galpão empoeirado.
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